O Estado é artífice do apagamento de memórias indesejadas, das lembranças de lutas que desafiam o senso comum e devem ser esquecidas. Um exemplo é o hospital Pérola Byington, que funcionou na avenida Brigadeiro Luis Antonio, no Centro, e, em 2022, mudou de endereço e de nome e foi convertido no Hospital da Mulher, na avenida Rio Branco.
O que parece só um movimento imobiliário, esconde uma grande carga simbólica. Apesar da aparência de continuidade, o Hospital da Mulher começa a ter uma história própria para contar, possivelmente sem conflitos políticos e com discursos escorregadios em relação ao aborto. Não há a memória do que aconteceu no velho Pérola Byington, cujo prédio começará a ser reformado e receberá um novo hospital.
O Pérola Byington era uma referência histórica em atendimento a mulheres e vítimas de violência sexual ou doméstica, além de ter uma reconhecida oncologia. Era também um dos lugares de discussão e imposição do aborto legal. Entre 2019 e 2021 foi palco de disputas entre grupos pró e antiaborto. Estava no centro de um debate que divide os brasileiros.
Agora foi para uma nova área, livre da herança política que havia acumulado no passado. Esvaziou-se toda uma história que estava marcada no antigo prédio, na velha localização. E tudo aconteceu muito rápido – a obra teve início de julho de 2019. Em questão de dois anos, o governo entregou o projeto pronto, com um edifício erguido na região conhecida como cracolândia.
O Hospital da Mulher foi construído por meio de uma Parceria Público-Privada (PPP) ao custo de R$ 245 milhões. O governo do estado delegou a construção do hospital ao grupo Construcap, que também é responsável pela manutenção predial e dos equipamentos.
A gestão é dividida entre a OSS (Organização Social de Saúde), o Seconci-SP (Serviço Social da Construção Civil do Estado de São Paulo) e a empresa Inova Saúde SPE S/A. É um modelo privado bem diferente do que funcionava antes. Quem manda agora é outra turma.
É óbvio que mudar para uma sede com maior capacidade é uma vantagem. Os hospitais precisam se modernizar e o da Mulher pode receber 20% mais pessoas do que o Pérola Byington. Não faltam argumentos para uma mudança. Mas, nesse caso, havia também o efeito simbólico: dissipar uma memória inquietante relacionada ao aborto e aos direitos da mulher.
Para enfraquecer ainda mais os vínculos entre o velho e o novo hospital, a Cruzada Pró Infância, que detém os direitos sobre o nome da filantropa e ativista social Pérola Byington rejeitou seu uso na nova construção. Num ofício, a entidade afirmou que “após reuniões com familiares da professora, ficou definido que o nome Hospital Pérola Byington pertence à Cruzada Pró Infância e não poderá ser utilizado no novo espaço”.
A Cruzada Pró Infância foi fundada em 1930 por Pérola Byington e por Maria Antonieta de Castro para defender gestantes e crianças e, em 1959, inaugurou o hospital na avenida Brigadeiro Luís Antônio. Há décadas, o imóvel era alugado para o governo do estado de São Paulo por R$ 380 mil mensais. Simbolicamente, o Pérola Byington acabou.
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