De um lado, Bertrand Russell (1872–1970): matemático, lógico, filósofo, intelectual e ativista, aristocrata inglês membro da Casa dos Lordes, que casou quatro vezes e viveu até os 98 anos de idade.
Do outro, Henri Poincaré (1854–1912): um dos maiores matemáticos de todos os tempos, físico, engenheiro, filósofo, oriundo da burguesia intelectual francesa —seu primo Raymond foi presidente da França—, saúde frágil por toda a vida, o que o tornou vítima de bullying na escola.
Russell queria aprimorar a teoria dos conjuntos de Cantor, para livrá-la das contradições resultantes do uso dos conjuntos infinitos. Poincaré dizia que “as gerações futuras considerarão a teoria dos conjuntos uma doença, da qual conseguiram se livrar”, acrescentando que “o infinito atual não existe: o que chamamos infinito é apenas a possibilidade sem fim de criar novos objetos, sem importar quantos objetos existem já”.
Para Russell, “a matemática e a lógica são a mesma coisa”, pois “toda a matemática segue premissas lógicas e usa apenas conceitos que podem ser definidos em termos lógicos”. Poincaré respondia que “é pela lógica que provamos, mas é pela intuição que descobrimos” e “a lógica é estéril, a menos que seja irrigada pela intuição”.
É claro que estavam condenados a serem adversários. O que surpreende é que Poincaré tenha ficado em silêncio por tanto tempo, mesmo depois que, em 1903, Russell publicou o primeiro volume do seu livro “Princípios da Matemática”.
Mas quando, em março de 1906, Russell expôs as suas ideias na revista científica Proceedings of the London Mathematical Society, Poincaré partiu para o ataque: em artigo publicado na revista Revue de Méthaphysique et Morale, ele desmontou a teoria de Russell. Foi o início de um duelo que durou anos.
Um duelo respeitoso. Russell era um lorde britânico e de Poincaré foi dito que “entre os cientistas que viveram no século passado, apenas ele conseguiu o milagre de nunca ter feito um único inimigo, uma única pessoa hostil a ele na ciência”. Mas nem por isso os dois adversários economizaram “socos” no plano das ideias.
Em setembro do mesmo ano, Russell não hesita em jogar na casa do adversário: em publicação na Revue afirma que “Monsieur Poincaré não gosta porque não entende”. Poincaré rebate em artigo na mesma revista, a que Russell responde, em 1908, no American Journal of Mathematics. De volta à Revue, em 1909, Poincaré publica “A lógica do infinito”, a que Russell replica, em 1910, com “A teoria dos tipos lógicos”.
Poderiam ter continuado assim por anos, se não fosse pelo fato de que Poincaré adoeceu e, devido a complicações na sequência de uma cirurgia, faleceu pouco depois.
Russell voltou a esses temas bem mais tarde, em 1938, no prefácio da republicação dos “Princípios da Matemática”. Sabendo que muita coisa mudou, reconhece que “a esta altura, o interesse deste livro é sobretudo histórico” e mantém o texto inalterado.
A acusação de que “a lógica é estéril” ainda dói, mas Russell está menos confiante de que suas ideias acabarão triunfando. Por uma boa razão: no meio tempo, em 1931, o austríaco Kurt Gödel (1906–1978) mostrou que a ausência de contradições na matemática nunca poderá ser provada de forma rigorosa.
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