O grandão sai da academia ainda com o quimono do jiu-jítsu e vai entrar no carro, mas um baixote que mal bate em seu ombro toma-lhe a frente: “Passa a chave e sai andando!”. É tão absurdo quanto ridículo, como se o Oscarito tentasse assaltar The Rock. O grandão encara o homúnculo. Ou melhor, o analisa. O sujeitinho não tem arma, tá de bermuda e com uma camisa fininha, não dava nem pra esconder uma faca na cintura. A ordem de entregar a chave é tão bizarra que por um instante ocorre ao lutador estar diante de um valet muito ríspido. O pior valet do mundo.
“Anda, já falei! Dá a chave ou vai ficar ruim pra você!”. Agora, diante da ameaça, embora ainda não saiba qual, fica claro ser de fato um assalto —o que, diante da desproporção entre os dois, parece ainda mais absurdo do que a hipótese do pior valet do mundo. “Amigo, você não tem revolver, não tem faca, bate no meu umbigo, eu sou faixa preta de jiu-jítsu. Vou te entregar meu carro por quê?”
O pequeno se empluma: “meu primo é do TRE”. Ele pronuncia as três letras como se fossem C-I-A. “Seu primo o quê?!”. “Meu primo trabalha no TRE”. “Parabéns pra ele, agora sai da frente senão teu nariz vai sair pela nuca”. “Você sabe o que faz o TRE, parceiro?”.
A pergunta pega o lutador de surpresa. Ele fica nervoso. Era gago na infância, ficou traumatizado com chamada oral. Pra piorar, como se chama Maurício, quando a professora fechava os olhos e ia correndo o dedo pela lista de nomes para sortear um aluno, caía muito mais em nomes do meio do alfabeto do que nos das pontas. Maurício e Nathália tavam sempre lá, respondendo, Abel e Zoraide, nunca. Isso tudo ele não pensa, mas seu inconsciente sabe, de modo que o cortisol corre por suas veias, suas mãos suam, ele então responde: “TRE é a parada lá que cuida das eleições. O tribunal que cuida das eleições… O… Tribunal Regional Eleitoral”. O pitoco sorri, como se de fato tivesse perguntado “você sabe o que faz a CIA?” e a resposta fosse “mata quem não me passa a chave”.
Sentindo ter passado na chamada oral, o grandão cresce de novo. “E cê vai fazer o que, amigão, vai ligar pro teu primo e mandar o TRE me prender? Não tamo nem em eleição!”. “Não, amigão, vou fazer muito pior. Eu vou ligar pra ele e te botar de mesário!”. Ele falou “mesário!” bem alto, o pessoal em torno olha assustado, pelas veias deles também jorra o cortisol que segundos antes espraiava-se pela corrente sanguínea do nosso lutador; alguns porque já foram, outros por saberem que, se a sorte lhes virar as costas, serão.
O grandão gela. O pixote agora parece um gigante. O Gru, do “Meu Malvado Favorito“, segurando a Lua. “Te coloco logo de presidente da seção. Tem que chegar sete da manhã no dia. Sempre domingo. Montar as cabininhas de papelão, colar lista de vereador na parede, ficar passando Perfex na maquininha da impressão digital… Pessoa idosa, a impressão não pega, dá-lhe Perfex… Meu primo tem esquema lá pra te convocar duas, três, dez eleições seguidas. E tem treinamento antes, viu? Presencial. Pior que autoescola”.
O grandão tem duas opções. Dar a chave e salvar-se de ser mesário. Não dar a chave e ser mesário. Então lhe ocorre uma terceira saída. Dar outra chave, a de braço, no pescoço do bandido que, morto, não poderá acionar o primo.
Puxou 15 anos. O único pensamento que o consola, enquanto faz supinos com alteres de latas de Suvinil é que, como preso não vota, por uma década e meia, pelo menos, está livre de ser mesário.
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