O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está dividido sobre a possibilidade de avançar com uma Proposta de Emenda Constitucional que dificulta candidaturas políticas de membros das Forças Armadas e deve ser interpretada como um novo ataque aos militares. O debate ocorre após a inclusão dos servidores das Forças Armadas no pacote de redução de gastos apresentado pelo governo na semana passada e do indiciamento de oficiais do Exército em uma investigação de suposta tentativa de golpe de Estado.
A PEC 42/2023 quer determinar que os militares se desliguem das Forças Armadas para poderem se candidatar a cargos eletivos. Atualmente, o militar pode se candidatar e só renunciar à carreira se for eleito. Se isso não ocorrer, ele pode retomar sua carreira. A proposta foi apresentada em 2023 pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA). O texto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em novembro do ano passado, mas está paralisada no plenário do Senado há um ano.
Integrantes da bancada do PT no Congresso se reuniram na última terça-feira (26) para discutir uma estratégia para que a proposta avance. Segundo integrantes da sigla, a orientação pelo avanço foi dada pela própria presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR).
Mas ministros do Palácio do Planalto, especialmente o de relações Institucionais, Alexandre Padilha, deram início nesta semana uma operação para tentar conter os movimentos do próprio Partido dos Trabalhadores (PT) para avançar com a Proposta de Emenda à Constituição
Apesar de ter sido apresentada pelo próprio governo, os integrantes do Palácio do Planalto avaliam que retomar essa discussão sobre a PEC neste momento seria “revanchismo”. Por isso, os governistas admitem que pretendem buscar o relator, senador Jorge Kajuru (PSB-GO) e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para que o texto siga na gaveta mesmo diante da articulação da bancada petista.
Defensor da matéria, o senador Kajuru admite que buscava um acordo para que a PEC fosse votada ainda neste ano, mas que o racha na base governista pode adiar a tramitação. “Neste ano é impossível, pois tem um lado da base governista que defende a votação agora e outro lado que fala que deve ficar para depois para não parecer revanchismo”, argumentou Kajuru.
Essa PEC tem consequências individuais para oficiais e praças que pretendem optar pela carreira política, mas não gera impacto prático para as Forças Armadas, segundo uma fonte do Exército disse à reportagem. Isso porque, em linhas gerais, militares que se candidatam e não são eleitos tendem a acabar pedindo desligamento espontaneamente para continuar investindo na carreira política ao invés de tentar chegar aos postos mais altos das Forças Armadas.
Mas isso não significa que o impacto da PEC seja desprezível. Embora a alta cúpula das Forças Armadas veja com ressalvas as candidaturas militares, também vê na proposta uma tentativa de segregação dos militares, ou seja, uma forma de tratá-los como cidadãos de segunda classe.
Governo que conter desgaste com as Forças Armadas após corte de orçamento
Para os governistas que defendem que a PEC siga na gaveta, o principal argumento é de que o presidente Lula não precisa de um novo embate com as Forças Armadas depois do anúncio do pacote de corte de gastos. A avaliação desse grupo é de que o desgaste provocado pelo indiciamento dos militares viabilizou que o Ministério da Defesa entrasse no ajuste fiscal.
A inclusão dos militares na lista foi feita pelo próprio presidente Lula ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Essa movimentação aconteceu depois que foram presos o general da reserva Mário Fernandes, e os tenentes-coronéis Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira, Rodrigo Bezerra de Azevedo, integrantes dos “Kids pretos” — membros das Forças Especiais do Exército.
Eles são investigados por supostamente articularem um plano para assassinar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Após a prisões, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, disse que o caso constrangia as Forças Armadas, porém, foi bom para que os inocentes “saiam da aura de suspeição”.
“Constrange, mas é bom para as Forças Armadas que essas coisas venham à tona porque eu desejo muito que os responsáveis paguem os seus delitos perante a Justiça. É uma forma de tirar a suspeição de quem não tem culpa”, disse o ministro.
Após o episódio, Múcio foi escalado por Lula para debater com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, os impactos do pacote de ajuste fiscal das Forças Armadas. A proposta não prevê corte ou bloqueio no orçamento do ministério da Defesa.
Contudo, ela prevê mudanças no sistema de pagamentos dos militares inativos. A idade mínima para o militar passar para a inatividade passa de 35 anos de serviço para 55 anos de idade. Tecnicamente os militares não se aposentam, eles continuam recebendo seu soldo do Tesouro Nacional (e não da Previdência) até o fim da vida, mesmo após irem para a reserva ou a reforma.
O principal questionamento dos militares é que seu regime de trabalho não prevê o pagamento de horas extras. Assim, enquanto um servidor ou trabalhador da iniciativa privada tem uma carga horária semanal de 40 horas, para militares essa número semanal pode chegar a 56 ou até 88 horas, dependendo do cenário e da operação militar em curso. Ou seja, o argumento é que no longo prazo o militar acaba fazendo uma quantidade maior de horas que precisam ser compensadas.
A mudança também acaba com um sistema de pensão para viúvas ou viúvos de militares que se chama “morte ficta”: com isso, familiares perdem o direito à pensão de militares expulsos da força por cometerem erros ou crimes. Atualmente há menos de 300 beneficiários desse tipo de pensão.
“O impacto estimado é de 2 bilhões [de reais] por ano no caso dos militares. Se você considerar a despesa discricionária que eles têm, é um gesto significativo. Foram coisas que nunca foram conseguidas pelos governos anteriores”, afirmou Haddad.
Essas mudanças dependem de aprovação por parte do Congresso Nacional. Por isso, nos cálculos dos governistas, uma articulação para que a PEC que limita candidatura siga tramitando neste momento poderia inviabilizar a estratégia do Planalto para aprovar ainda neste ano o pacote de reajuste fiscal.
“Nós fizemos um acordo com as Forças Armadas, a quem agradeço. Fizeram um gesto de última hora, a pedido do ministro Múcio e do presidente Lula, para que também desse uma cota de contribuição importante. Concordamos em acabar com a morte ficta, que é uma coisa, do ponto de vista da moralidade pública importante. Reconhecemos como um resquício do passado que precisa ser superado”, completou o ministro da Fazenda.
Deputado da oposição vai relatar PEC na Câmara sobre os militares
Em outra frente, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, deputada Caroline De Toni (PL-SC), indicou o deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP) para ser o relator de uma outra PEC que também trata sobre a vedação de militares na política. Essa proposta é de autoria da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) e foi apresentada em 2021 como uma reação à presença de militares no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O texto estabelece que, para ocupar cargos na administração pública civil, os militares deverão abandonar a carreira castrense.
“Busca-se resguardar as Forças Armadas (FFAA) dos conflitos normais e inerentes à política, e fortalecer o caráter da Marinha, do Exército e da Aeronáutica como Instituições permanentes do Estado e não de governos”, justificou a parlamentar.
Nesse caso, a proposta é ainda mais abrangente do que a que está no Senado, pois veda a participação de militares também nos ministérios, por exemplo. Essa proposta de limitação vem gerando tensão entre os militares, pois eles entendem que são capazes de contribuir com assessoramento em areas vitais para o governo.
Em missão oficial na Ucrânia, Bilynskyj não comentou a indicação para a relatoria, já a deputada Caroline De Toni alegou que a escolha do relator não tem relação com os indiciamentos dos militares por parte da Polícia Federal.