A ideia de ampliar a gestão privada em escolas de São Paulo, dita pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) à Folha, divide opiniões de especialistas e vereadores. As críticas apontam para a perda de recursos do Fundeb (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) destinados a São Paulo se a administração municipal passar a custear o ensino por meio de convênios.
Defensores, por outro lado, afirmam que o modelo pode fazer os alunos ganharem mais estrutura e qualidade de ensino, desde que não haja uma pulverização da gestão em convênios com diversas organizações. Também veem chances de melhorar resultados por meio de contratos com metas e acompanhamento bem definidos.
O aumento da participação privada, segundo o prefeito de São Paulo, seria feito nos moldes do que ocorreu no ano passado com o Liceu Coração de Jesus. A medida não seria geral, mas direcionada a algumas Emeis (Escolas Municipais de Educação Infantil), Emefs (Escolas Municipais de Ensino Fundamental) e Emefms (Escolas Municipais de Ensino Fundamental e Médio). Entre as justificativas de Nunes está o desempenho do Liceu na Prova SP deste ano, que ele aponta como superior ao de outras unidades de ensino.
Para Salomão Ximenes, professor da UFABC e integrante da Rede Escola Pública e Universidade (Repu), a medida é um desperdício duplo.
“De um lado, a prefeitura vai passar o recurso para a iniciativa privada, em vez de investir na qualificação da rede pública do município. E esse repasse não será coberto no sistema de redistribuição do Fundeb.”
Cada matrícula do município que não é contabilizada pelo fundo representa uma perda de receita, diz Salomão, que será direcionada a outras cidades paulistas. O Fundeb não cobriria os gastos porque, segundo ele, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) determina que o repasse de recursos a entes privados não lucrativos, que pode ser usado para creches e pré-escola, pode ser feito quando faltam vagas na rede pública de domicílio dos estudantes —o que não é o caso de São Paulo, ele diz.
“Isso me parece mais um desejo sem maiores fundamentos jurídicos e econômicos. A situação do Liceu tinha uma justificativa de fundo, apesar de questionável e até ilegal, como manifestou a própria procuradoria do município.” Na época, a gestão afirmou estar segura da legalidade da medida.
A medida, por outro lado, é vista como muito positiva pelo professor do Insper Fernando Schüler. Para ele, esse seria um passo no caminho de uma linha de gestão pública praticada há mais tempo em países da Europa e nos Estados Unidos.
“Holanda, um dos países muito bem colocados no Pisa [programa internacional de avaliação de estudantes], tem a maior parte de suas escolas públicas com gestão privada de algum tipo, como comunitárias ou filantrópicas.”
Um dos efeitos deste tipo de gestão, que Schüler chama de contratualizada, é a inclusão de alunos de baixa renda em escolas com melhor desempenho, apontadas por ele como um benefício exclusivo de populações brancas e com maior renda.
“O que está em jogo é se o Brasil quer continuar a manter monopólio estatal na educação, o que acho absurdo. O país não pode ter fixação por esse ou aquele modelo.”
Ele também destaca que o modelo usado no caso do Liceu, que é o MROSC (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil), é um bom instrumento para governos que pretendem adotar gestão privada em serviços como a educação. Mas desde que tenham contratos específicos para cada segmento e meios para acompanhar as melhoria pretendidas.
“O erro seria uma pulverização de parcerias, fazendo para o ensino fundamental a mesma coisa que se faz nas creches e no ensino infantil. Há muitos modelos de contrato e indicadores”, diz Schüler.
O tema segue em debate no legislativo paulistano. Autora de uma proposta para permitir a organizações privadas a gestão escolar na cidade, a vereadora Cris Monteiro (Novo) faz uma defesa da proposta baseada nos resultados dos alunos do Liceu e defende uma seleção rigorosa das organizações.
“Temos que escolher as melhores OS [organizações sociais]. As que estão fazendo um bom trabalho, e isso é possível medir, devemos fazer essa ampliação.”
Para a vereadora, há outros recursos para custear a educação, como a arrecadação da própria prefeitura.
Contrário à proposta, o vereador Celso Giannazi (PSOL) também cita possíveis perdas no Fundeb e diz que o modelo de convênio adotado pela prefeitura para os Centros de Educação Infantil tem problemas.
“Há um relatório do TCM [Tribunal de Contas do Município] que diz que educação infantil nos centros conveniados é infinitamente menor, por falta de valorização salarial e da formação de professores.”
Giannazi critica a falta de professores na rede municipal e diz que o Ricardo Nunes deveria direcionar recursos municipais para investimento direto na rede pública.