No dia 30 de novembro, 70 mil torcedores de futebol lotaram o estádio El Monumental em Buenos Aires. Eles vieram torcer por dois times brasileiros, Atlético Mineiro e Botafogo, na final da Copa Libertadores, o principal torneio de futebol da América do Sul. O jogo foi feroz. No primeiro minuto, Gregore, volante do Botafogo, recebeu um cartão vermelho por acertar as travas da chuteira no rosto de um adversário, deixando seu time com dez jogadores. Segundos antes do fim da prorrogação, Júnior Santos, do Botafogo, driblou três jogadores do Atlético para chutar a bola no gol, selando uma vitória de 3 a 1 para seu time.
A partida foi histórica por várias razões. Foi o primeiro troféu da Libertadores para o Botafogo, eternos azarões. Foi a sexta vitória consecutiva de um time brasileiro na Libertadores, a maior sequência de qualquer país. E ambos os finalistas eram SAFs (Sociedade Anônima do Futebol). O Botafogo é a história de sucesso mais espetacular desde que o Brasil permitiu que clubes de futebol, historicamente estruturados como associações sem fins lucrativos, se tornassem empresas a partir de 2021. Não será a última. Graças ao surgimento das SAFs e das apostas esportivas, o futebol brasileiro está inundado de dinheiro. Seus clubes estão se tornando mais competitivos, tornando o Brasil o mercado mais empolgante para investidores no belo jogo.
A trajetória do Botafogo é lendária e ilustra as forças em jogo no futebol brasileiro. Nas décadas de 1960 e 1970, o clube era uma fábrica dos melhores jogadores de futebol do mundo. Forneceu mais jogadores para a seleção brasileira do que qualquer outro clube. Mas, nos últimos 40 anos, esteve em queda livre. Ganhou um título internacional pela última vez em 1993. Entre 2000 e 2020, foi rebaixado da primeira divisão do Brasil três vezes. Suas finanças afundaram junto. Em 2020, tinha dívidas de mais de R$ 1 bilhão e receitas anuais de apenas R$ 151 milhões.
Então surgiu John Textor, um empresário americano. Sua empresa, Eagle Football Holdings, possui participações no Crystal Palace, na Inglaterra, e no Olympique Lyonnais, na França. Ele comprou o Botafogo em 2022 por cerca de US$ 66 milhões (R$ 395 milhões). As dívidas do time foram reduzidas pela metade. Este ano, ele pagou somas recordes por Luiz Henrique, um ponta direita, e Thiago Almada, um meia ofensivo. “Nós, torcedores do Botafogo, temos John Textor na terra e Deus no céu”, celebra Isaias Lieberbaum, um torcedor de 70 anos.
As recompensas são doces. Textor recebeu um cheque de US$ 23 milhões (R$ 138 milhões) pela vitória na Libertadores, mas vencer também qualifica o Botafogo para participar do Mundial de Clubes da Fifa no próximo ano. O prêmio pela empreitada é gigantesco. Ele quer abrir o capital da Eagle Football Holdings e espera arrecadar pelo menos US$ 1 bilhão (R$ 6 bilhões).
Mesmo os perdedores estão otimistas. “Temos tudo no Brasil para nos tornarmos como a [Premier League]”, diz Daniel Vorcaro, presidente do Banco Master, um banco brasileiro que é co-proprietário do Atlético Mineiro. “Temos a paixão, o talento, a base de fãs e o potencial de crescimento.” Quatro dos 12 grandes times do Brasil se tornaram SAFs desde 2021. Mais são esperados à medida que as histórias de sucesso se acumulam. Em 2021, Ronaldo Fenômeno comprou o Cruzeiro, um time com dívidas astronômicas que havia caído para a segunda divisão, por US$ 70 milhões (R$ 419 milhões). Ele o vendeu em abril por US$ 100 milhões (R$ 600 milhões), após trazê-lo de volta à primeira divisão.
O futebol brasileiro também colheu ganhos financeiros das apostas esportivas, que foram legalizadas em 2018. O Banco Central do país estima que os brasileiros gastaram mais de US$ 3 bilhões (R$ 18 bilhões) por mês este ano em apostas através do Pix, um sistema de pagamentos digitais que ele opera (incluindo outras formas de pagamento, o valor real é muito maior). Esse entusiasmo pelo jogo preocupou o governo, que aprovou uma lei em 2023 obrigando as empresas de apostas a obter licenças.
Apesar da euforia em torno delas, as SAFs não podem resolver todos os problemas. Em 2022, um grupo de investimento americano chamado 777 Partners comprou o Vasco da Gama, um dos maiores times do Brasil. O grupo faliu em outubro e está sendo investigado nos Estados Unidos por fraude. “As SAFs não são uma varinha mágica —você precisa de boa governança”, diz José Francisco Manssur, coautor da lei das SAFs.
Outros acham que há mais na dominância do Brasil do que SAFs e dinheiro de apostas. Irlan Simões, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, observa que Colômbia e Chile adotaram modelos semelhantes às SAFs antes do Brasil, mas seus times continuam medianos. Ele diz que a ascensão do Brasil era inevitável. A grande população do país significa um mercado maior para ingressos, mercadorias e direitos de transmissão. Em 2016, a Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol), que organiza a Libertadores, permitiu que mais times competissem nas rodadas de qualificação, o que beneficiou o Brasil simplesmente porque tem mais clubes.
Mais dinheiro, menos problemas
No entanto, o dinheiro claramente ajuda. “O modelo de associação não é adequado para o propósito”, diz Manssur, lembrando que os clubes hoje têm milhões de fãs e precisam de dinheiro para comprar os melhores jogadores. Ele acha que as SAFs do Brasil poderiam se tornar um modelo para outros na região. Esse é um pensamento arriscado para um brasileiro. Nenhum país se beneficiaria mais de uma injeção de capital do que o arquirrival do futebol brasileiro, a Argentina.
O país produz um número desproporcional dos melhores jogadores do mundo, mas seus times domésticos são um caos. Após a final da Libertadores, o presidente da Argentina, Javier Milei, postou no X: “Vamos falar sobre SAFs?” A associação de futebol do país resistiu ferozmente a tais esforços. Talvez a vergonha de ver times brasileiros dominarem em seu próprio território os convença.