Pareceres técnicos do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e pesquisas científicas apontam a existência de uma extensa área de recifes na margem equatorial, onde Petrobras e governo Lula (PT) querem explorar petróleo.
Os recifes se estendem até a região da bacia Foz do Amazonas, na costa amazônica, onde está o chamado bloco 59.
Essas estruturas são ricas em biodiversidade, determinantes para a pesca em alguns trechos e pouquíssimo estudadas, o que amplia os riscos de um projeto de petróleo.
Em parte dos recifes há ocorrência de corais esparsos, menos frequentes em direção à costa norte, no Amapá, onde está o bloco 59, afirmam pesquisadores. No bloco, a 160 km da parte terrestre, está o poço que a Petrobras almeja perfurar.
O grande sistema de recifes da Amazônia, como é chamado, não se configura necessariamente em uma grande barreira de corais, com base nas informações científicas existentes até agora. Isso não significa que esse sistema tenha pouca relevância biológica, segundo os cientistas —pelo contrário.
Além disso, o sistema foi descrito há poucos anos —sua catalogação num artigo científico foi feita em 2016. A estimativa usada por cientistas é de que apenas 5% das manchas de recifes —que se estendem da Guiana Francesa ao Maranhão— tenham sido mapeadas de alguma maneira.
No último dia 24, a diretora de exploração e produção da Petrobras, Sylvia dos Anjos, afirmou que não existem corais na bacia Foz do Amazonas e que uma afirmação do tipo é uma “fake news científica”. Segundo Anjos, o que existem são “rochas carbonáticas”.
As afirmações foram feitas em um evento na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e despertaram críticas na comunidade científica dedicada a estudos relacionados à biodiversidade na margem equatorial.
A Petrobras não respondeu aos questionamentos da reportagem.
No curso do processo de licenciamento do bloco 59 no Ibama, que negou a concessão da licença em maio de 2023, a discussão sobre os corais e recifes já foi mencionada em diferentes pareceres técnicos.
No atual estágio da licença —a Petrobras insiste por um aval para a perfuração do poço—, essa questão não vem sendo objeto de análise ou entrave para a autorização, pelo menos com base nos documentos públicos do licenciamento.
Um parecer técnico do Ibama, de abril de 2023, afirma que a área do bloco 59 está numa “bacia sedimentar com alto nível de sensibilidade ambiental, com pouco conhecimento sobre os fenômenos hidrodinâmicos e alta biodiversidade ainda insuficientemente conhecida”.
“Algumas espécies foram publicadas recentemente, como a ocorrência dos corais amazônicos”, cita o documento. “Publicações posteriores indicam que se trata de pesquisa ainda em curso e que demanda um maior aprofundamento.”
Antes, em maio de 2018, um parecer do Ibama em processo sobre blocos de petróleo na bacia Foz do Amazonas apontou “possível sobreposição da área com regiões recém-descobertas de recifes”. Dispersantes químicos não poderiam ser utilizados “nas áreas dos corais”, conforme o documento, e precisariam ser proibidos, conforme o Ibama.
A própria Petrobras, em um posicionamento ao órgão ambiental em agosto de 2023, disse que “é inverídica a afirmação de que a Petrobras nega a ocorrência de formações biogênicas na região”.
A posição da estatal, direcionada ao presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, faz referência a uma recomendação do MPF (Ministério Público Federal) no Amapá, que pediu que não haja concessão da licença. Segundo o MPF, faltam estudos sobre os recifes e, mesmo assim, a Petrobras repete o “falso argumento” de que inexistem recifes de corais na região a ser explorada.
“Todas as estruturas até então mapeadas foram consideradas nas análises de impactos e riscos ambientais elaboradas pela companhia”, disse a estatal ao Ibama.
O pesquisador Rodrigo Moura, do Instituto de Biologia da UFRJ, é um dos autores do artigo científico, de 2016, considerado como referência na descoberta e descrição do “extenso sistema de recifes” na foz do rio Amazonas. À Folha, Moura disse que a existência do recife entre o Amapá e o Maranhão é um consenso, com possível extensão até a Guiana Francesa.
“A controvérsia vem da ideia de corais da amazônia. O recife que existe ali não é um recife típico, tal como a gente vê na grande barreira de corais da Austrália, no Caribe, em Abrolhos”, afirmou. “É um recife peculiar, influenciado pela pluma [do rio].”
Segundo Moura, trata-se de um sistema “grande, complexo e ainda não completamente mapeado”, que não tem um “análogo direto”. “Não é um recife recoberto por corais, mas tem corais esparsos, menos frequentes em direção ao Amapá.”
É preciso mapear o que existe, elaborar um plano de manejo e assegurar a sustentabilidade do uso, defende o professor. “É um recife muito usado pela pesca, com atividades de mineração de carbonatos na área do Maranhão. E tem essa equação complexa da perspectiva de exploração de petróleo. Exatamente como é o recife nós não sabemos ainda, porque ele não foi mapeado.”
Conforme o pesquisador da UFRJ, o recife “agrega biodiversidade” e é “bem relevante” na amazônia, com abundância de esponjas.
Nils Edvin Neto, professor da UFPA (Universidade Federal do Pará) e pesquisador da área de oceanografia, também participa de estudos sobre os recifes na margem equatorial. Segundo ele, o sistema tem, entre os organismos, corais. “O termo correto é recife. Mas dizer que é uma ‘fake news’ já é outra história.”
A própria Petrobras financia estudos sobre esses recifes, segundo o professor. O edital aberto em 2024 com essa finalidade cita a necessidade de filmagem e coleta de algas calcárias, corais, esponjas e outros componentes da fauna local.
“É uma base para muitos recursos pesqueiros, importante para a biodiversidade como um todo, além de corredor de conexão com a fauna do Caribe. Outras importâncias podem ser melhor estudadas, como a fixação de carbono”, diz o pesquisador da UFPA.
Campanhas do Greenpeace apontam a existência de corais amazônicos. A ONG, que já fez expedições até locais da margem equatorial, criticou a fala da diretora da Petrobras.
Reportagem publicada pela Folha em 16 de agosto, feita a partir de apuração na região em terra mais próxima do bloco 59, mostrou como a pressão de Lula e da Petrobras ignora a existência de mangues sensíveis e de abundância de peixes, que atraem milhares de pescadores do Amapá e do Pará, principalmente.
A região de Oiapoque (AP) segue o ciclo das marés, e eventuais vazamentos de óleo podem contaminar comunidades que precisam se adaptar a essas marés, conforme lideranças indígenas e de pescadores. A Petrobras afirma que não haverá toque de óleo na costa brasileira, em caso de vazamentos. Oiapoque tem ocupações urbanas que crescem com a expectativa do empreendimento.
No último dia 11, técnicos do Ibama negaram os argumentos apresentados pela Petrobras e disseram em parecer não haver elementos para revisão do indeferimento da licença. O presidente do órgão enviou ofício à Petrobras, no dia 25, em que lista questões a serem esclarecidas pela estatal. “Os avanços apresentados pela Petrobras permitem o prosseguimento das discussões”, disse.