O Avistar Brasil chega à maioridade com sua 18ª edição neste final de semana, trazendo uma fauna variada de cientistas, turistas, educadores e amantes da natureza do Brasil e do mundo, todos reunidos por uma mesma paixão: os passarinhos.
O festival, que acontece entre sexta-feira (16) e domingo (18) no Jardim Botânico de São Paulo, é uma mistura de congresso científico, rodada de negócios de turismo internacional e balada dos observadores de aves, com mais de 200 palestras em seis auditórios. Há também oficinas para crianças, bicicletadas em busca de aves e corujadas (passeios noturnos para ver corujas).
“É como uma porta de entrada suave para a ciência”, explica Guto Carvalho, organizador do evento que virou um grande aliado da conservação. “O discurso da conservação é difícil, é focado na perda, no incêndio, no desmatamento. E os passarinhos trazem uma agenda positiva.”
No palco, são eles que brilham, como a rolinha-do-planalto, a saíra-apunhalada e o anu branco. Tem também as aves de rapina, que vão ganhar um livro do biólogo Willian Menq, criador do canal Planeta Aves, que tem mais de 1,1 milhão de inscritos no YouTube, e as centenas de espécies coloridas de beija-flores, registradas pelas lentes da fotógrafa Claudia Brasileiro e pesquisas da bióloga Nathalia Diniz.
“Teremos também muita juventude apresentando o seu primeiro trabalho”, diz Carvalho, citando uma pesquisa de estudantes do Paraná sobre microplásticos em aves.
A primeira edição do Avistar aconteceu em 2006, quando tudo ainda era “mato” na comunidade dos observadores de aves. O evento reuniu cerca de 400 pessoas, boa parte dos que participavam de um grupo de email de birdwatching brasileiro, um termo em inglês usado para definir a prática. Na época, três convidados internacionais vieram, como Betty Petersen (1933-2024), conhecida pelo programa de doação de binóculos que ajudaram projetos de campo no Brasil.
Hoje, a turma se multiplicou e mais de 10 mil pessoas são aguardadas. A atividade de observar passarinhos na natureza e seus praticantes também ganharam um apelido mais simpático e acolhedor: passarinhada e passarinheiros, com direito a verbo: passarinhar.
“Lá atrás, dizia-se que passarinhar era ir caçar passarinho, e passarinheiro era quem punha passarinho em gaiola. E a gente enfrentou isso, conscientemente, para ressignificar essas palavras”, diz Carvalho. “Tem um peso cultural, é uma batalha cultural. Mas queremos ressignificar o amor aos passarinhos.”
Os termos se popularizaram com o sucesso do #VemPassarinhar, passeios que se espalharam por centenas de cidades após início em 2014 no Observatório de Aves do Instituto Butantan, com os biólogos Luciano Lima e Erika Hingst-Zaher, figurinhas conhecidas do Avistar, tanto como organizadores como palestrantes.
“O #VemPassarinhar virou um fenômeno, algo descentralizado. Os únicos critérios são promover passarinhadas e ser gratuito”, diz Carvalho.
A criação do WikiAves, fundado por Reinaldo César Guedes em 2009, também ajudou a solidificar o movimento no Brasil. O site colaborativo tem o maior banco de dados sobre aves silvestres brasileiras, com imagens, sons e textos.
“Essa dobradinha foi explosiva. Tinha um lado de inovação com o WikiAves, e o Avistar veio com essa perspectiva de comunicação. E tinha a vontade das pessoas de conhecer os passarinhos”, explica Carvalho. “Isso se espalhou pelo Brasil pelos lugares mais insólitos. Começamos a descobrir passarinhos onde ninguém imaginava que tinha.”
“Foi se mapeando o país todo”, continuou. “E isso tem um potencial gigantesco para a conservação. Você evita que espaços sejam aterrados, desmatados.”
Com o segundo maior número de espécies de aves do mundo, o Brasil tem uma história de amor antiga com os pássaros. Antes de ser Brasil, éramos Terra Papagalli, nome dado pelos recém-chegados europeus encantados com os papagaios das costas brasileiras. A paixão nunca arrefeceu, ainda que a mata atlântica tenha perdido quase 90% de sua área original.
“Mas muitas vezes era aquele amor tóxico, que vira gaiola, que vira pet”, diz Carvalho. “E passarinhar é uma resposta afetiva, acolhedora, que traz uma outra relação com a natureza. É uma maneira gostosa de falar: vamos conservar?”
Aos 18 anos, o Avistar influenciou uma geração de ornitólogos, ativistas e comunicadores. A estudante Lorena Patrício, 22, foi ao seu primeiro evento quando tinha 10 anos. Hoje, ela estuda no Laboratório de Ornitologia da Universidade Cornell, em Nova York, uma das instituições mais relevantes no estudo das aves.
“Foi superimportante para mim. Eu era pequenininha, muito tímida nos primeiros anos”, diz Patrício. “E foi uma coisa muito boa começar a me ver nesse meio, de ver que era acolhedor, que tinha muitas oportunidades.”
Nesta edição do Avistar, ela ajudou a organizar o primeiro concurso de gravação de aves e, ao lado do naturalista Augusto Pötter, vai intermediar um encontro de jovens.
Outro entusiasta do Avistar é Will Mesquita, 44, um farmacêutico e perito criminal do Maranhão que, nas horas vagas, é fotógrafo e lidera o Uru Podcast, sobre os mais variados temas da avifauna.
“No Maranhão, a comunidade é mais reduzida, e quando cheguei ao Avistar, vi que tinha um mundo de gente assim”, diz Mesquita. “Foi uma sensação de pertencimento, de não me sentir estranho por gostar de passarinho, por acordar de madrugada para fotografar, para ver bicho.”
Carvalho, um ex-publicitário e produtor de cinema que se formou em física, é também um apaixonado por aves desde criança. Ele acredita que hoje existem mais de um milhão de observadores no país, contra mais de 43 milhões nos EUA (o número mais do que dobra se contar os que praticam sem sair de casa, segundo uma agência norte-americana). Portanto, o Brasil ainda tem muito espaço para crescer.
“O maior problema não é o potencial da natureza de conquistar o coração das pessoas. E sim o potencial da destruição da natureza antes que ela tenha tempo para isso”, diz Carvalho. “A gente ama passarinho, mas tem as queimadas, tem o agro, tem as políticas devastadoras. É um jogo pesado.”