Em uma fazenda no estado da Virgínia, no sul dos Estados Unidos, David Ayares e sua equipe de estudos criam porcos geneticamente modificados para transplantar seus órgãos em pacientes humanos.
A empresa de biotecnologia Revivicor, dirigida por Ayares, está na vanguarda da pesquisa sobre xenotransplantes —implante de órgãos de animais em seres humanos—, cujo objetivo é resolver a escassez crônica de órgãos para doação, que mata milhares de americanos anualmente.
Foi nesta fazenda que a Revivicor criou um porco cujo rim foi transplantado recentemente para a paciente Towana Looney, anunciou, na terça (17), um hospital de Nova York.
“É um momento emocionante”, declarou Ayares à AFP durante uma visita recente à fazenda de pesquisas.
Os porcos são geneticamente modificados para que seus órgãos tenham menos chances de serem rejeitados pelo sistema imunológico dos pacientes.
“Estes porcos não são os típicos porcos de fazenda”, explicou Ayares, segurando nos braços vários leitões cor-de-rosa. “Foram investidos milhões de dólares na produção desta genética, por isso são animais de altíssimo valor”, completou.
Algum dia, os rins poderão ser vendidos por um milhão de dólares (R$ 6 milhões, na cotação atual).
A Revivicor, de Blacksburg, Virgínia, pesquisa há mais de 20 anos para que os órgãos transplantados de porcos em humanos deixem de ser ficção científica e se tornem parte do serviço médico que salva vidas.
Só nos Estados Unidos, mais de 100 mil pessoas estão na lista de espera para um transplante e milhares morrem todo ano esperando na fila, a maioria das vezes por um rim, segundo as autoridades sanitárias.
Pouco reconhecimento
Desde 2021, vários cirurgiões americanos transplantaram com sucesso rins e corações de porcos geneticamente modificados em humanos, a maioria deles fornecidos pela Revivicor.
Outro fornecedor importante é a empresa de biotecnologia eGenesis.
Os primeiros testes foram realizados em pessoas com morte cerebral, antes de o procedimento ser tentado em um punhado de doentes graves.
Embora estes pacientes tenham morrido poucas semanas após a operação, os órgãos animais que receberam não foram rejeitados imediatamente por seus sistemas imunológicos, um sinal promissor para os cientistas.
Em um laboratório escuro a vários quilômetros da fazenda, Todd Vaught, chefe de biologia celular da Revivicor, mantém os olhos grudados em um microscópio. Ele perfura com uma pipeta um óvulo de porco para retirar o DNA e substituí-lo por células que têm “todas as instruções necessárias para fazer um porco modificado geneticamente”.
Horas depois, os óvulos modificados são implantados em porcas. Quatro meses depois, nascem novas ninhadas. Embora estejam sendo feitas pesquisas sobre os xenotransplantes em diversas partes do mundo, os Estados Unidos lideram este campo.
A socióloga francesa Catherine Rene critica o que chama de maus-tratos aos porcos como meros recipientes de órgãos destinados a humanos.
“Em última instância, há muito pouco espaço para o reconhecimento do animal doador, do presente que ele dá”, disse Rene à AFP.
Ayares não concorda. “Centenas de milhões de porcos são usados a cada ano como alimento”, afirmou. “Eu diria que é muito mais importante que este órgão suíno seja utilizado para um transplante.”
Rins de um milhão de dólares
A primeira geração de porcos desenvolvida pela Revivicor tinha uma única modificação no genoma, destinada a desativar a produção de uma substância que provoca a rejeição do órgão transplantado.
A segunda ninhada tem dez genes modificados, seis dos quais provêm do DNA humano, a fim de melhorar a compatibilidade biológica. É nessa segunda geração de porcos que a United Therapeutics (UT), empresa matriz da Revivicor, está apostando alto.
Em março, a empresa, que é cotada na bolsa, abriu outro centro médico perto de Blacksburg, onde, em um novo centro cirúrgico, os rins de porcos serão extraídos e preparados para serem transplantados no paciente receptor. O resto do porco será descartado. O porta-voz da empresa, Dewey Steadman, disse que as instalações contam com “controles rigorosos” para evitar qualquer infecção nos 200 animais mantidos ali.
O objetivo da empresa é iniciar vários anos de estudos clínicos em pacientes em 2025 e, se a FDA, a agência reguladora de alimentos e medicamentos nos Estados Unidos, der seu aval, iniciar a produção em larga escala de porcos geneticamente modificados em 2029. A UT já planeja investir bilhões de dólares na construção de instalações novas e maiores.
A empresa considera vender rins por cerca de um milhão de dólares cada, o que se aproxima do custo para os pacientes de dez anos de diálises nos Estados Unidos, segundo Steadman.
Disponibilizar rins de porcos para um grande número de pacientes não será tarefa fácil nos Estados Unidos, que carecem de assistência de saúde universal.
Mas Ayares espera que, com um seguro médico, “o paciente não tenha que arcar com o preço de um milhão de dólares”.