A família do empacotador de supermercado Rafael dos Santos Tercílio Garcia, 32, decidiu não recorrer do arquivamento da investigação da morte dele por um policial militar.
Rafael, que era surdo, foi atingido na cabeça por um tiro de munição “bean bag”, teoricamente menos letal, disparado por uma escopeta calibre 12. A arma estava em posse de um cabo da cavalaria.
O episódio ocorreu durante uma confusão no entorno do estádio do Morumbi, na zona oeste de São Paulo, em setembro de 2023. São-paulino e membro da Torcida Tricolor Independente, Rafael comemorava o título inédito da Copa do Brasil.
Um manual da PM sobre o uso da munição diz, entre outros pontos, que disparos na cabeça devem ser evitados e que os tiros devem ocorrer em uma distância mínima de seis metros.
“Meu coração nunca vai parar de sangrar, mas eu não tenho recurso para enfrentar gente grande, né? Não tenho dinheiro para isso”, disse a camareira desempregada Vilma Custódio dos Santos, mãe de Rafael.
Para Vilma, a régua contra a impunidade é medida pelo bolso. “Só os ricos conseguem. Nós somos pobres”, acrescentou.
Depois de uma investigação que levou um ano, o caso foi arquivado em dezembro passado por pedido do promotor Rogério Zagallo, que entendeu que a ação penal contra o cabo seria uma medida injusta. Zagallo tinha afirmado que o PM agiu em legítima defesa para conter um tumulto de torcedores.
Investigações das polícias civil e militar indiciaram o cabo Wesley de Carvalho Dias, identificado como autor do tiro, por homicídio culposo, ou seja, sem intenção. Procurada, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) não respondeu se o cabo já retornou para ao trabalho nas ruas.
O juiz Guilherme Eduardo Martins Kellner teve entendimento contrário ao de Zagallo. Para o magistrado, era necessário que o caso fosse mais bem apurado.
Kellner citou em sua decisão condenações do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos por não investigar de forma eficaz mortes em ações policiais.
Ele remeteu o processo ao procurador-geral de Justiça de SP, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, que seguiu o entendimento de seu subordinado, o que resultou no arquivamento da ação penal. Costa foi nomeado em abril pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Ele deve permanecer no cargo por dois anos.
No pedido de arquivamento, Zagallo disse que sua decisão não impede que a família busque indenização civil. Diante da impossibilidade da punição criminal, a mãe agora vai buscar a reparação de indenização do Estado. Rafael deixou um filho de nove anos, que está sob os cuidados de Vilma.
“Ao nosso ver, de fato, houve impunidade no caso do Rafael, a qual está profundamente enraizada em uma cultura de absolvição sistemática e arquivamentos recorrentes em casos de letalidade policial. Esse cenário está diretamente associado a questões estruturais, como o preconceito, a violência institucionalizada e a ausência de responsabilização efetiva dos agentes públicos”, disse Tiago Ziurkelis, advogado da família.