As expectativas para um aumento maior na Selic na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, nesta terça-feira (10) e na quarta (11), estão em alta. Atualmente fixada em 11,25% ao ano, a taxa básica de juros pode sofrer um ajuste significativo, de acordo com os contratos de opção negociados na B3, a bolsa brasileira.
As apostas para uma elevação superior a meio ponto percentual saltaram de 35,6% em 6 de novembro para 96,3% na última sexta-feira (6). A maior probabilidade é de um aumento de 1 ponto percentual, com 50% dos contratos de opção apontando para essa possibilidade.
Altas ainda mais agressivas também não são descartadas: elas eram irrelevantes no início de novembro e agora estão em 5,8%.
O boletim Focus, pesquisa semanal realizada pelo Banco Central junto a instituições financeiras, também reflete essa perspectiva de alta maior na Selic. Na última semana, as expectativas para a Selic no final de 2024 passaram de 11,75% para 12% ao ano, sugerindo uma alta de 0,75 ponto percentual na próxima reunião.
Um levantamento do jornal Valor Econômico apontou que 89 de 117 casas de análise consultadas projetam uma aceleração no aperto monetário. Apenas quatro instituições apostam na manutenção do ritmo atual de alta de 0,5 ponto percentual.
Diversos fatores justificam o aumento das chances de uma postura mais dura por parte do BC:
- Atividade econômica aquecida: O crescimento do PIB nos 12 meses encerrados no terceiro trimestre foi de 3,1%.
- Frustração fiscal: O pacote de cortes de gastos anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi considerado tímido pelos mercados.
- Pressões inflacionárias persistentes: O IPCA de novembro, que será divulgado nesta terça-feira (10), pode trazer novos indícios de aceleração inflacionária.
- Expectativas inflacionárias em alta: As projeções de inflação para os próximos anos continuam a se deteriorar.
Analistas não descartam a possibilidade de a taxa Selic ultrapassar os 14% ao ano nos próximos meses, um patamar que não é observado desde 2016.
Apesar da troca de liderança no BC, com a saída de Roberto Campos Neto, nomeado pelo então presidente Jair Bolsonaro e a entrada de Gabriel Galípolo, atual diretor de política monetária e indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a estratégia de combate à inflação deve se manter.
Galípolo já sinalizou que a Selic continuará elevada enquanto for necessário para conter a inflação, que ultrapassou o teto da meta de 4,5%.
Atividade econômica surpreende, pressiona inflação e favorece alta dos juros
O ritmo acelerado da atividade econômica tem sido um dos fatores que mais contribuem para a pressão inflacionária. Segundo economistas do Itaú, o desempenho do PIB no terceiro trimestre, com alta de 0,9% em comparação ao segundo, superou as expectativas, indicando um dinamismo superior ao previsto.
O consumo das famílias cresceu 4,5% nos 12 meses encerrados em setembro, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse crescimento foi impulsionado tanto pelo aumento dos gastos públicos quanto pela força do mercado de trabalho. O desemprego atingiu em outubro o menor nível histórico: 6,2%.
As expectativas do mercado financeiro apontam para uma expansão de 3,39% do PIB neste ano, segundo o boletim Focus. Com isso, o Brasil deverá registrar um crescimento de aproximadamente 3% ao ano pelo quarto ano consecutivo.
“Esses sinais de crescimento acima do potencial econômico geram preocupações sobre o aumento das expectativas de inflação e ampliam as apostas de um ciclo mais longo de elevação da Selic, o que pode impactar negativamente o crescimento projetado para 2025”, afirma Arnaldo Lima, economista da Polo Capital.
Contas públicas em alerta: déficit e endividamento crescem no governo Lula
Outro sinal de alerta vem das contas públicas. O economista-chefe da G5 Partners, Luiz Otávio Leal, destaca que o principal motivo de preocupação no governo Lula é a falta de compreensão sobre a importância do equilíbrio fiscal.
Até outubro, o déficit primário do setor público consolidado acumulado em 12 meses foi de 1,95% do PIB. Já são 16 meses consecutivos de resultados financeiros negativos, impulsionados pelo governo federal.
O endividamento do setor público consolidado, que reflete as dívidas dos governos federal, estadual e municipal, atingiu 78,6% em outubro, de acordo com cálculos do Banco Central. Esse valor está 6,9 pontos percentuais acima do registrado no início do governo Lula, em janeiro de 2023.
Segundo Leal, o mínimo esperado era que o governo fosse mais cauteloso com as finanças públicas. “Não foi isso que vimos desde o início do terceiro mandato de Lula. Começando com a PEC da Transição, quando o Congresso autorizou o governo a gastar mais do que o necessário para cobrir os gastos deixados por Bolsonaro, o governo tem aumentado as transferências para o consumidor brasileiro.”
O pacote de corte de gastos anunciado pelo ministro Haddad foi considerado “tímido e insuficiente” por analistas. Esse conjunto de medidas contribuiu para um cenário crescente de incerteza e aversão ao risco.
O estrategista-chefe da Warren Investimentos, Sérgio Goldenstein, afirmou que, embora as medidas tenham demorado quase um mês para serem anunciadas, poderiam representar um ponto de inflexão. No entanto, elas se mostraram exatamente o contrário.
“As medidas foram insuficientes para gerar um equilíbrio fiscal, e a proposta de isenção do IR até o valor de R$ 5 mil mensais reacendeu o temor de populismo econômico”, conclui.
Desvalorização e aumento nos alimentos servem de estímulo à alta dos juros
Há também sinais de alerta em relação à inflação. A Warren Investimentos aponta que existe um cenário altista projetado para o ano que vem, com o principal motivador sendo a forte desvalorização do real frente ao dólar, que acumula uma queda de 20% desde o início do ano. Somente desde a última reunião do Copom, o real perdeu 5% de seu valor.
A XP Investimentos avalia que as perspectivas para a inflação se deterioraram nas últimas semanas. A demanda interna continua aquecida, estimulada pelo aumento real (acima da inflação) dos rendimentos, pelas concessões de crédito e pela taxa de desemprego em níveis historicamente baixos.
Os preços dos alimentos também são uma preocupação crescente, segundo analistas da XP. Um dos itens mais impactados é a carne, que, segundo o IPCA-15, a prévia da inflação, teve um aumento de 11,44% nos 12 meses encerrados em novembro. Essa é a maior alta desde novembro de 2021.
Diversos fatores contribuem para o aumento dos preços da carne, como o envio de fêmeas para o abate, o que reduz o número de nascimentos. Outro fator significativo é a seca histórica que atingiu o Brasil, combinada com as queimadas. A falta de pasto, principal alimento do gado, levou muitos pecuaristas a recorrerem ao confinamento, prática mais cara.
“Outro fator que contribui para o aumento do preço da carne bovina é a forte demanda externa. O aquecimento das exportações reduz a quantidade de carne disponível no mercado interno, pressionando os preços para cima”, explica Anna Fercher, head de Customer Success e Insights da Neogrid, um ecossistema de tecnologia e inteligência de dados que desenvolve soluções para a gestão da cadeia de consumo.
Expectativas de inflação são afetadas por fatores internos e externos
A deterioração das expectativas de inflação é uma importante fonte de preocupação quanto ao comportamento futuro da taxa Selic. A situação vem se agravando desde o início do ano e ganhou força nas últimas semanas, especialmente após a recepção negativa ao plano de corte de gastos de Haddad. No início de 2024, a expectativa de inflação estava em 3,9%. Há quatro semanas, esse valor subiu para 4,62%, e nesta semana chegou a 4,84%.
As expectativas para os próximos anos também mudaram rapidamente. As projeções para o IPCA de 2025 passaram de 4,10% para 4,59%, ultrapassando o teto da meta. Para 2026, a expectativa passou de 3,65% para 4%.
Para Rogério Paulucci, especialista da Fipecafi, o Banco Central brasileiro enfrentará uma dificuldade adicional em relação à inflação. Ela vem do exterior.
“As taxas dos treasuries bonds norte-americanos, principais referências de juros internacionais, subiram após a eleição de Donald Trump. Isso provocou uma valorização do dólar em relação a uma cesta de moedas internacionais. Taxas mais altas nos Estados Unidos atraem capital, tornando os ativos denominados em dólar mais atraentes, o que direciona o fluxo de recursos para a economia norte-americana. Esse movimento obriga o Banco Central brasileiro a manter um diferencial entre as taxas internas e as dos treasuries”, afirma.
Ele também destaca que os estímulos fiscais que podem ser adotados no governo Trump, como o corte de impostos para os mais ricos, podem elevar a inflação americana. Esse cenário acentuaria o problema das contas públicas dos Estados Unidos e pressionaria a inflação, o que obrigaria o Federal Reserve (Fed) a aumentar as taxas de juros.