Na luta contra a malária, profissionais de saúde global há muito dependem de mosquiteiros tratados com inseticida para afastar mosquitos transmissores de doenças. Mas, com o aumento da resistência aos inseticidas, um novo estudo sugere uma abordagem alternativa: usar medicamentos para curar os insetos antes que possam infectar alguém.
A malária se espalha quando um mosquito infectado com um parasita pica um humano.
“O verdadeiro assassino é o parasita que é transmitido por esses mosquitos”, disse Flaminia Catteruccia, professora da Escola de Saúde Pública de Harvard T.H. Chan e coautora da pesquisa. “Então, ao eliminar o parasita, eliminamos a fonte da malária.”
Os cientistas, cujo trabalho foi publicado na revista científica Nature, na última quarta-feira (21), identificaram cerca de duas dúzias de medicamentos que, segundo eles, podem matar parasitas dentro de mosquitos infectados. Os tratamentos seriam administrados quando os insetos pousassem em mosquiteiros tratados com os compostos.
A malária continua sendo um flagelo global, classificada como a quarta maior causa de morte em países de baixa renda. E, embora as mortes tenham diminuído nos últimos anos, os casos estimados têm aumentado, conforme constatou um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2024. Temperaturas mais altas e inundações causadas pelas mudanças climáticas permitem que os mosquitos surjam e se reproduzam mais facilmente. Ao mesmo tempo, o aquecimento global está abrindo mais ambientes para a propagação da doença infecciosa, com mosquitos se estabelecendo em novas áreas.
David Fidock, professor do Centro Médico Irving da Universidade Columbia que não participou do estudo, chamou a pesquisa de inovadora. Isso tem “enorme potencial de impacto na saúde pública para reverter essa tendência que vimos nos últimos anos de aumento das taxas de malária”, disse ele.
Para continuar o trabalho e desenvolver ainda mais os candidatos a medicamentos, no entanto, os pesquisadores disseram que terão que encontrar novas fontes de financiamento. O projeto foi afetado por um congelamento de financiamento dos Institutos Nacionais de Saúde em instituições como a Universidade Harvard. O INS não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.
Como funcionam os medicamentos?
Os pesquisadores testaram 81 antiparasitários, descobrindo que 22 funcionavam bem contra um parasita-chave causador da malária conhecido como Plasmodium falciparum. A maioria dos 22 não é atualmente vendida como tratamentos, embora alguns estejam sendo testados para uso em humanos. A equipe também desenvolveu dois novos compostos que esperam transformar em medicamentos.
Os dois compostos promissores são conhecidos como “quinolonas semelhantes à endoquina” e poderiam ser usados juntos para atingir a atividade mitocondrial dos parasitas, fundamental para a replicação e produção de energia. Os medicamentos são simples e relativamente baratos de fabricar, e os mosquiteiros, com eles, devem custar menos de US$ 1 a US$ 2 por peça, disseram os pesquisadores.
Como parte do processo de teste, os cientistas aplicaram os medicamentos em materiais semelhantes a mosquiteiros no laboratório e avaliaram sua eficácia por mais de um ano. Um mesmo material, com baixas doses dos compostos, bloqueou completamente os parasitas, disse Alexandra Probst, estudante de doutorado e autora principal do estudo.
Os pesquisadores evitaram testar quaisquer medicamentos atualmente usados para tratar humanos devido a preocupações com o fomento da resistência a eles. Embora o surgimento de resistência nos parasitas seja uma possibilidade, eles disseram que é improvável devido à forma como os medicamentos foram projetados e como o parasita funciona dentro do mosquito.
Uma nova abordagem
Os pesquisadores desenvolveram o conceito há alguns anos, fundindo duas estratégias comuns usadas para combater a malária.
“Ninguém jamais havia tentado matar parasitas no mosquito usando medicamentos”, disse Catteruccia. “Historicamente, os dois tipos de mundos são muito separados. Pessoas que trabalham com mosquitos tentam matá-los com inseticidas e pessoas que trabalham com parasitas tentam matá-los com medicamentos.”
Um estudo anterior utilizou o antimalárico atovaquona de maneira semelhante. Mas a atovaquona é cara e usada para prevenir e tratar a malária em humanos, então os cientistas ampliaram seu escopo. Sua abordagem poderia ser implementada em apenas três a quatro anos, uma vez que sua segurança seja melhor avaliada, de acordo com Fidock, da Columbia.
Os cientistas estão trabalhando para testar a nova abordagem na Etiópia e em Burkina Fasso, dois países da África onde a malária é prevalente. Eles imaginam que os compostos sejam usados junto com inseticidas, agindo sobre mosquitos resistentes a inseticidas para prevenir infecções e a transmissão da malária.
A equipe disse que está em processo de busca de fontes alternativas de financiamento para continuar a pesquisa e desenvolver ainda mais os dois candidatos promissores a medicamentos.