Pesquisadores, especialistas em saúde pública e economistas de 14 países manifestaram, através de uma carta, preocupação com a retirada dos refrigerantes da lista de bens taxados pelo Imposto Seletivo, o chamado “imposto do pecado”.
A exclusão foi feita pelo Senado Federal, que aprovou o primeiro projeto de regulamentação da reforma tributária no plenário na última quinta-feira (12). O projeto ainda será apreciado novamente pela Câmara, que pode fazer alterações. Se o texto for mantido, a carga tributária desses itens será reduzida em mais de 50% após a reforma entrar em vigor.
Conforme carta endereçada às lideranças do governo e do Congresso, a medida representa um “grave retrocesso” na saúde pública e nos esforços para o enfrentamento da crescente epidemia de doenças associadas à alimentação, como obesidade e diabetes tipo 2.
Assinam a carta cientistas que representam grandes instituições internacionais, como Walter Willett (Universidade de Harvard, EUA), Mike Rayner (Universidade de Oxford, Reino Unido), Oliver Mytton (Universidade de Cambridge, Reino Unido), Franco Sassi (Imperial College London, Reino Unido), Gyorgy Scrinis (Universidade de Melbourne, Austrália), Mary L’Abbé (Universidade de Toronto, Canadá), Barry M. Popkin (Universidade da Carolina do Norte, EUA), Corné van Walbeek (Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul) e Juan Rivera Dommarco (Instituto Nacional de Saúde Pública, México).
Também é um dos signatários Carlos Monteiro, epidemiologista pela USP (Universidade de São Paulo) e criador do termo ultraprocessados na literatura científica, usado para caracterizar alimentos repletos de aditivos e poucos ingredientes in natura.
De acordo com estudos, no Brasil, as bebidas açucaradas respondem, por ano, por cerca de 13 mil mortes e mais de 20% dos casos de sobrepeso e obesidade infantil, problema que já afeta 2,9 milhões de crianças. Os pesquisadores destacam que o sistema de saúde brasileiro gasta cerca de R$ 3 bilhões por ano no tratamento de doenças relacionadas ao consumo dessas bebidas.
Segundo os signatários, a decisão do Senado contraria a posição do país como exemplo a ser seguido no que diz respeito a políticas públicas de saúde. Estudos já publicados mostram que os impostos podem reduzir significativamente o consumo de bebidas açucaradas.
“Desde a criação do termo ‘alimentos ultraprocessados’, o Brasil se destaca como pioneiro em levantamentos que ligam esses itens ao surgimento de mais de 30 doenças, o que torna a decisão ainda mais preocupante”, destacam.
Hoje, 81 jurisdições de países implementam impostos sobre bebidas açucaradas. Nações latinas, como México e Colômbia, já estenderam a tributação para alimentos ultraprocessados como um todo. “O Brasil não pode ficar para trás na proteção da saúde de sua população”, dizem.
A proposta do Ministério da Fazenda para a regulamentação da reforma tributária previa a cobrança do chamado Imposto Seletivo sobre as bebidas açucaradas. Ele significa uma cobrança extra sobre itens considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, com o intuito de desestimular seu consumo.
A medida foi mantida pela Câmara dos Deputados durante a votação da regulamentação. A exclusão agora pelo Senado não só enfraquece os instrumentos para inibir o consumo desses produtos, mas também contribui para o aumento da alíquota geral sobre os demais bens e serviços tributados pelo novo IVA (Imposto sobre Valor Agregado).
O texto ainda será apreciado novamente pela Câmara, que terá a palavra final sobre o tema. Ela pode retomar ou não esse trecho do projeto antes de encaminhá-lo à sanção presidencial.
O coordenador de advocacy da ACT Promoção da Saúde, Marcello Baird, destaca que cada vez mais países vêm tributando as bebidas açucaradas e, por isso, o Brasil vai na contramão do mundo, se o texto continuar como está.
Ainda que a isenção de refrigerantes seja revertida, o passo ainda seria considerado tímido em relação aos avanços internacionais. “Desses 81 países, só dois, Nigéria e Montenegro tributam apenas refrigerantes”, afirma. Os demais tributam bebidas açucaradas como um todo.