Ainda no rescaldo da tempestade que devastou a região de Valência, o governo da Espanha anunciou a criação de uma espécie de “licença climática”. O benefício permitirá que os trabalhadores se ausentem dos empregos por até quatro dias, mantendo a remuneração, em caso de catástrofes naturais.
A iniciativa foi aprovada na última reunião do Conselho de Ministros, na sexta-feira (29), quando completou-se um mês da chamada “Dana” (depressão isolada em níveis altos, na sigla em espanhol) —fenômeno com chuvas torrenciais, granizo, trovoadas e ventanias—, que deixou mais de 200 mortos e milhões de euros em prejuízos.
A medida já está em vigor após ser publicada no Boletim Oficial do Estado —equivalente ao Diário Oficial—, mas precisa ser validada pelo Congresso espanhol em até 30 dias.
A nova licença climática passa a constar no Estatuto dos Trabalhadores da Espanha e poderá ser acionada quando não for possível que os funcionários exerçam suas funções habituais em regime de teletrabalho.
O texto prevê até quatro dias de afastamento em caso de “impossibilidade de acessar o local de trabalho ou transitar pelas vias necessárias para chegar ao mesmo, como consequência de recomendações, limitações ou proibições de deslocamento impostas pelas autoridades competentes, ou em situações de risco grave e iminente, incluindo aquelas decorrentes de catástrofes ou fenômenos meteorológicos adversos”.
Durante esse período, os trabalhadores continuarão a ser pagos normalmente pelas empresas, sem descontos. Caso as situações excepcionais se prolonguem para além dos quatro dias inicialmente previstos, é possível haver uma prorrogação do afastamento “até que desapareçam as circunstâncias que o justificaram”.
Nesse caso, contudo, entra em cena outro mecanismo, com as empresas podendo recorrer à suspensão temporária de contrato (ERTE, na sigla em espanhol) por força maior. Isso permite que as despesas com o pagamento dos trabalhadores afetados sejam pagas pelo Estado, e não pelos empregadores.
A ministra do Trabalho e Economia Social, Yolanda Díaz, deu detalhes sobre o plano em entrevista à RTVE (emissora de televisão pública da Espanha).
“Após esses quatro dias [inicialmente previstos], as empresas têm duas opções: continuar pagando as licenças ou, se não quiserem, incluir os trabalhadores em um ERTE. Isso é algo muito inovador, nunca houve uma licença climática na Espanha. Agora, isso fará parte da nossa legislação”, afirmou a ministra, destacando que o modelo foi inspirado em regras implementadas no Canadá.
A exigência de muitas empresas para que os os trabalhadores mantivessem a rotina normal de trabalho, mesmo com os serviços de meteorologia antevendo chuvas torrenciais, foi uma das grandes críticas após a tragédia em Valência.
Com a intensificação das chuvas próxima ao horário do fim do expediente comercial, diversas pessoas na região foram diretamente atingidas pelas enchentes enquanto tentavam retornar para casa.
“Quando uma autoridade de emergências de um município, de uma comunidade autônoma, do governo ou do Estado indica que há risco no deslocamento ou que não se pode ir trabalhar, não apenas porque a pessoa pode colocar sua própria vida em risco, mas também devido a riscos coletivos, temos [agora] a certeza de que os trabalhadores terão direito a quatro dias completamente remunerados, incluindo contribuições previdenciárias”, destacou a ministra.
Segundo o governo, a iniciativa reforça previsões já existentes na legislação espanhola para assegurar o direito dos trabalhadores nas situações de emergência.
A mudança no Estatuto dos Trabalhadores também prevê a obrigatoriedade de incluir protocolos de prevenção de riscos específicos para catástrofes e fenômenos adversos nos acordos coletivos entre funcionários e empresas.
Em caso de interrupção total ou parcial de suas atividades por conta de catástrofes climáticas, os profissionais autônomos também poderão solicitar benefícios à Segurança Social.
O decreto prevê ainda um prazo de 12 meses para que o Ministério do Trabalho aprove um regulamento específico para a proteção dos trabalhadores frente aos efeitos das mudanças climáticas.
De maneira geral, a mudança foi bem recebida pelos sindicatos. A UGT (União Geral dos Trabalhadores) afirmou que o novo decreto representa um avanço significativo para a proteção dos trabalhadores, dando “um passo na direção certa” para as mudanças necessárias.
Continente com o ritmo mais rápido de aquecimento, a Europa tem vivido a intensificação de fenômenos naturais extremos relacionados às mudanças climáticas.
“As mudanças climáticas estão agravando inundações, secas e reduzindo a qualidade da água, representando uma ameaça crescente à nossa saúde”, diz um recente relatório da Agência Europeia do Ambiente.
O continente registrou, de 1980 a 2022, pelo menos 5.582 mortes relacionadas a inundações, além de 702 óbitos ligados a incêndios florestais.
Hoje, 1 em cada 8 europeus vive em áreas potencialmente suscetíveis a inundações de rios. Por outro lado, cerca de 30% da população do sul da Europa enfrenta estresse hídrico permanente.