Resolvi dar uma escapulida da metrópole e fui parar no interior do estado, em São José do Rio Pardo, onde o engenheiro e escritor Euclides da Cunha morou entre 1898 e 1901.
Lá ele projetou e coordenou a construção de uma ponte metálica sobre o rio que dá nome à cidade cujas águas são barrentas e bravias e trabalhou numa casinha de zinco de cerca de nove metros quadrados onde escreveu a maior parte de sua obra-prima, “Os Sertões”.
A ponte servia para ligar as fazendas de café à estação ferroviária da cidade e teve uma primeira construção que desabou 50 dias depois de concluída, por conta de uma série de erros de cálculo.
Euclides, então superintendente de Obras Públicas de São Paulo, foi convocado para reconstruí-la e assumiu a empreitada. Ele havia acabado de retornar de Canudos, na Bahia, onde havia feito a cobertura da guerra contra a comunidade liderada por Antônio Conselheiro, e começava a escrever seu livro, que seria publicado em 1902.
Antes de pôr a mão na massa, Euclides fez um pormenorizado relatório sobre a queda da ponte. Detectou várias irregularidades, como trabalhos defeituosos de alvenaria, erros na montagem e rebites com diâmetros não proporcionais aos furos dilatados das chapas.
Construiu primeiro uma ponte provisória e, com a ajuda de 15 operários, começou a retirada dos escombros. Sob seu comando, as obras da nova ponte foram reiniciadas e finalizadas com sucesso três anos depois. Ela está até hoje de pé, com 100 metros de comprimento e 6,60 metros de largura, servindo a carros e pedestres.
A cabana onde comandava as obras e escrevia “Os Sertões” também está intacta, coberta agora por uma redoma de vidro com estrutura de concreto para protegê-la das enchentes. Faz parte de um memorial instalado nas margens do rio Pardo em homenagem ao escritor.
Enquanto esteve na cidade morou numa residência na avenida Marechal Floriano, que abriga hoje a Casa da Cultura Euclides da Cunha, também chamada de Casa Euclidiana.
Nascido em Cantagalo, no Rio de Janeiro, em 1866, Euclides teve uma longa e profícua relação com São Paulo. Seu primeiro contato com o estado foi no Vale do Paraíba, logo depois de sua formatura, em 1892, na Escola Superior de Guerra.
Na ocasião foi designado para trabalhar na Estrada de Ferro Central do Brasil, no trecho que liga a capital à cidade de Caçapava. Depois de deixar São José do Rio Pardo morou em Lorena, onde fez os ajustes finais no seu livro. Também esteve em Santa Branca, município que também tem uma ponte projetada por ele.
Em 1905, quando já era membro da ABL (Academia Brasileira de Letras), o escritor foi nomeado chefe de seção da Comissão de Saneamento de Santos e circulou pelas cidades do litoral. Ele costumava reclamar da instabilidade e das constantes movimentações da vida de engenheiro.
Euclides morreu baleado em 1909 pelo tenente Dilermando de Assis, amante de sua mulher, Anna de Assis. Seus restos mortais estão enterrados em São José do Rio Pardo, com exceção de seu encéfalo, que está em Cantagalo.
Em uma carta escrita um ano antes de sua morte para o amigo Francisco Escobar, Euclides escreveu: “Que saudades de meu escritório de zinco e sarrafos da margem do Rio Pardo! Creio que se persistir nessa agitação estéril não produzirei mais nada de duradouro.”
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.