Sem estrutura física adequada e com excesso de alunos, escolas em áreas urbanas chegam a registrar nível de ruído semelhante ao de uma turbina de avião. A descoberta é de uma pesquisa da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que investigou as condições sonoras em espaços escolares.
O estudo mediu os níveis de ruído em escolas estaduais de São Paulo em diferentes momentos da rotina escolar e identificou que o ambiente sonoro é inadequado para o processo de ensino e aprendizagem.
A pesquisadora Vera Lúcia Gomes Jardim, professora da Faculdade de Educação da Unifesp, mediu barulho em dez escolas na Grande São Paulo e identificou que, durante o intervalo dos alunos, o nível de ruído no pátio e parques pode alcança de 80 a 110 decibéis (dB), o equivalente a intensidade de um turbina de avião.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) define que ruídos acima de 50 decibéis já são considerados poluição sonora e prejudiciais. A partir de 55, pode gerar estresse nos indivíduos. Acima de 75, a poluição sonora pode provocar danos mais sérios, como risco de perda auditiva em caso de exposição prolongada e rotineira de até oito horas.
A pesquisa identificou que o excesso de barulho nas escolas é produzido por fatores externos (trânsito no entorno, comércios e obras próximas às unidades), mas também pelos próprios alunos e funcionários.
“É natural e saudável que os alunos, professores e funcionários façam barulho. Isso faz parte da convivência escolar. O problema é que as escolas não são pensadas para que esse barulho não atrapalhe o ambiente de aprendizagem, elas não têm proteção acústica, têm excesso de alunos por turma e são mal projetadas para a sua finalidade”, explica Jardim.
As medições identificaram que os níveis elevados de ruído são frequentes no ambiente escolar e não apenas no horário do recreio. Nos períodos de circulação de alunos e funcionários entre as aulas, os corredores chegam a registrar 80 dB. Dentro das salas durante as aulas, o ruído chega a 85 dB.
Também se destacou a captação do nível do sinal escolar, que ultrapassa 90 dB, semelhante à sensação auditiva de estar ao lado de uma britadeira. “Mesmo não sendo considerada fora dos padrões pelo tempo de permanência de exposição, visto que o tempo do sinal é bem curto, ele incide no ambiente, pelo menos, quatro vezes por período de aula, de modo incisivo e contundente”, descreve o estudo.
Para Jardim, não há um cuidado com o entorno das escolas, com a projeção dos prédios nem com a organização das turmas para garantir um ambiente sonoro seguro. “Uma das escolas que analisamos fica em frente à rodovia Dutra, onde há evidente fluxo intenso de veículos pesados. Mesmo assim, as janelas das salas de aula são voltadas para a rodovia.”
O estudo destaca sobretudo a falta de planejamento arquitetônico para as escolas, já que, entre as unidades analisadas, havia salas de aula com parede de drywall (estrutura de gesso) ou com as janelas viradas para pátio, quadra de esportes e até mesmo ao lado da cozinha, onde é preparada a merenda.
“Não é possível imaginar que eles não vão fazer barulho. O que deveria ser feito é um planejamento para o isolamento desse ruído, mas o que vemos são prédios em que o barulho só se dissipa e se amplia.”
Ela ressalta ainda o excesso de alunos por turma, muitas vezes em salas de aula sem espaço físico adequado para todos. “É comum ter 35, 40 adolescentes dentro de uma sala pequena, sem espaço nem mesmo para eles levantarem da cadeira sem esbarrar na mesa ao lado. É instintivo que em um ambiente ruidoso, as pessoas falem mais alto para serem ouvidas. Então, a falta de estrutura estimula que os alunos sejam cada vez mais barulhentos.”
A pesquisa não conseguiu medir o quanto o ambiente barulhento impacta na aprendizagem, mas Jardim destaca que estudos na área da saúde e do trabalho já comprovaram que a exposição ao ruído interfere nos níveis de atenção, concentração e até mesmo no rendimento físico e cognitivo.
“Se a escola não garante condições adequadas nem mesmo para que o aluno escute o que o professor diz em frente à sala de aula, como esperar que ele vá aprender?”, diz.
Em setembro, a Folha mostrou que o Programa Silêncio Urbano, conhecido pela sigla Psiu, da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) multou uma escola pública da região central de São Paulo em R$ 44 mil após um morador de um prédio vizinho reclamar do barulho dos estudantes durante o uso da quadra de esportes.
Os documentos das autuações mostram que a Divisão de Silêncio Urbano fez duas vistorias consecutivas na escola estadual professor Fidelino Figueiredo, na Vila Buarque. Os documentos apontam constatação de ruído acima do permitido por lei às 14h e às 7h42 dos dias 25 e 26 de setembro,
Os limites sonoros são estabelecidos pela Lei de Zoneamento e variam de 40 dB a 65 dB, dependendo do tipo de uso e ocupação permitido para cada área da cidade. O horário também influencia: quanto mais tarde, maior a restrição.
A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, do governo Tarcísio de Freitas, informou que iria recorrer das multas aplicadas à escola, já que as aulas “ocorrem como em qualquer escola com o volume natural da presença dos estudantes”. Disse, no entanto, que a direção da unidade optou por não acionar o sinal no período noturno e evitar fazer eventos nesse horário.
A pasta informou que não iria comentar o estudo por não ter tido acesso ao seu conteúdo. Mas destacou que as “todas as escolas estaduais de São Paulo estão de acordo com a legislação vigente e contam com isolamento acústico entre salas e pavimentos”.