Principal porta de entrada para o ensino superior, o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2024 retomou o número de inscritos depois de ter chegado ao menor nível de participação em 2021. O maior interesse dos estudantes em fazer a prova, no entanto, esbarra na estagnação de vagas em universidades públicas do país.
O exame recebeu este ano 4,32 milhões de inscrições, um aumento de 9,95% em relação a 2023. A edição 2024 também teve quase 1 milhão de inscritos a mais do que em 2021, quando a prova chegou ao menor patamar, durante o governo Jair Bolsonaro (PL).
Educadores consideram o número de inscritos no Enem como uma espécie de termômetro da esperança dos jovens, já que veem na prova uma oportunidade para continuar estudando. Por isso, a retomada é vista com otimismo, mas também como um alerta para a necessidade de expansão das vagas no ensino superior.
Desde 2013, o Brasil segue estagnado com cerca de 2 milhões de matrículas nas universidades e faculdades públicas e não há no país uma política para estruturar a expansão dessa oferta. O acesso ao ensino superior tem sido garantido majoritariamente pelas faculdades privadas, que hoje têm mais de 80% dos alunos dessa etapa.
A concentração das matrículas no setor privado preocupa especialistas, já que há pouca regulação da qualidade dos cursos ofertados. Além de reforçar a desigualdade de acesso, principalmente após a redução dos programas de bolsas federais para essas faculdades nos últimos anos.
O Prouni (Programa Universidade para Todos) atingiu em 2023 o seu menor patamar, com 403.735 alunos beneficiados. Em 2017, o programa chegou a atender mais de 609 mil alunos —uma redução de mais de 33%. O Fies (Financiamento Estudantil) que já teve mais de 1,3 milhão de beneficiados, em 2015, atendeu no ano passado 177 mil estudantes. As duas políticas usam a nota do Enem como critério de seleção.
“A retomada do número de inscrições no Enem é muito positiva, já que indica que os jovens voltaram a ter esperança de continuar os estudos. Mas esse movimento acontece sem que haja políticas que deem garantias de que mais estudantes vão conseguir acessar o ensino superior, em especial, na rede pública”, diz Salomão Ximenes, professor de direito e políticas educacionais da UFABC.
Eleito tendo como uma das promessas a retomada de investimentos no ensino superior, o presidente Lula (PT) anunciou neste ano uma nova ampliação das universidades federais. O plano, no entanto, esbarra na falta de orçamento adequado para essas instituições.
Como mostrou a Folha, dezenas de universidades federais de todas as regiões do país acumulam obras paradas ou atrasadas e projetos abandonados em razão da queda de orçamento que viveram nos últimos anos. Elas também não conseguem ofertar ou preencher todas as vagas que foram planejadas por falta de recursos.
“Para ampliação de vagas nas universidades públicas, o primeiro passo é a recomposição orçamentária destas e um diagnóstico de demanda e de investimentos adequados”, avalia Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pela Educação.
Dados do Censo do Ensino Superior mostram que, no ano passado, 25,8% das novas vagas ofertadas em universidades federais não foram preenchidas e 81,3% das vagas remanescentes (ou seja, quando o aluno desiste do curso) não foram reocupadas.
Para reitores e especialistas, a alta ociosidade das vagas na rede federal é consequência da falta de recursos para políticas de permanência estudantil, já que os jovens não conseguem se matricular ou continuar nos cursos para os quais foram aprovados por falta de dinheiro.
“O Brasil não acertou ainda estruturalmente em termos de políticas de permanência estudantil. As bolsas ajudam e precisam ser ampliadas, melhoradas em seus valores e aprofundadas em suas dimensões de equidade e vinculação à pesquisa, ensino e extensão no ensino superior”, diz Pellanda.
Em 2010, o presidente Lula criou o Pnaes (Programa Nacional de Assistência Estudantil) que previa custear o subsídio para alimentação, transporte e bolsas para todos os estudantes com renda familiar de até 1,5 salário mínimo. O orçamento do programa, no entanto, não acompanhou o aumento do ingresso de alunos dessa faixa de renda —que já representam hoje mais de 70% dos matriculados nas universidades federais.
Como o recurso é insuficiente para atender a todos, as universidades passaram a adotar novos critérios mais restritivos, hoje a maioria delas só consegue oferecer auxílio a quem tem renda familiar de até meio salário mínimo.
“São necessárias políticas de alimentação, auxílio para moradia e permanência em outra cidade eventualmente, entre outras questões globais que envolvem o processo de garantir estrutura de dedicação daqueles estudantes à sua formação superior”, afirma Pellanda.
Os especialistas afirmam que, para os estudantes continuarem interessados em fazer o Enem, é preciso reestruturar as políticas atuais para que um maior número deles possa de fato entrar na universidade e ter condições de concluir o curso.
“Nos últimos dois anos, houve uma retomada da valorização da educação e isso se reflete nos números do Enem, mas, para que essa mudança seja de fato duradoura, é preciso pensar em políticas de expansão das vagas públicas e presenciais e no fortalecimento de programas para que esses jovens consigam permanecer na universidade”, avalia Ximenes.
A Folha questionou o Ministério da Educação sobre ações planejadas pela pasta para a área, mas não teve resposta até a publicação.