Emio – The Smiling Man: Famicom Detective Club é uma narrativa interativa com lore aterrador, um mistério absorvente e personagens carismáticas, prejudicado por uma estrutura muito linear e pouco gameplay.
Aquando da sua revelação original, Emio deixou a internet em alvoroço, com a possibilidade de uma franquia totalmente nova estar a caminho da Nintendo Switch. Eu próprio fui levado na onda do hype, graças a um marketing simples, misterioso, mas eficiente: bastou um brevíssimo trailer para o meu radar começar a apitar por toda a parte. A possibilidade de um novo jogo de terror por parte da Nintendo deixou-me entusiasmado.
Mas este é o problema do hype. Criamos ideias e conceitos na nossa cabeça que, na maioria das vezes, acabam por nem se concretizar. Passamos uma rasteira a nós mesmos. O facto de tratar-se de um novo jogo da saga Famicom Detective Club apanhou-me desprevenido, mas em momento algum a Nintendo disse que estávamos perante uma nova IP: apenas fui vítima das minhas próprias expectativas, e isso é culpa minha.
Um mistério policial muito sombrio
Dito isso, os ingredientes promovidos no trailer original estão presentes no produto final, mas numa dosagem diferente. Emio – The Smiling Man: Famicom Detective Club usa e abusa do suspense, alicerçado por uma história críptica e obscura onde jogamos como um investigador particular na Utsugi Detective Agency. O nosso objetivo? Resolver o crime que envolve o assassinato de um adolescente, cujo corpo foi encontrado com um saco de papel na cabeça com um sorriso rabiscado.
A premissa do jogo é bastante direta, funcionando de forma semelhante a séries televisivas que abordam o mesmo tipo de conteúdos. A partir deste ponto, é necessário falar com testemunhas, inspecionar ambientes, analisar informações, sempre prestando atenção a cada palavra que é dita. O fluxo da história vai levar-nos a vários locais lógicos e obriga-nos a conversar com múltiplas personagens, adicionando cada vez mais informação ao caso mas, de forma simultânea, colocando-nos um passo mais perto do assassino.
Tal como um detetive da vida real, Emio – The Smiling Man: Famicom Detective Club permite-nos questionar/interagir com diversas pessoas através de uma série de comandos disponibilizados. Podemos chamar a pessoa, perguntar-lhe algo ou analisá-la mais detalhadamente usando uma lupa, o que por vezes desbloqueia informações importantes e é a única forma de prosseguir com a história.
Tal como podes ver na imagem abaixo, existem outros comandos mais ou menos auto-explicativos, como “Viajar”, “Usar telefone” ou “Pensar”, e todos eles são necessários para resolver o assassinato que temos em mãos.
Falando de um modo mais abrangente, é complicado classificar Emio como um videojogo, já que um filme interativo seria uma definição muito mais correta. A maioria do tempo consiste em passar diálogo à frente, premindo “A” continuamente, o que o torna inviável para os jogadores que preferem experiências mais frenéticas. Aliado a tudo isto, não existe uma sensação de estratégia presente e, de acordo com a minha perceção, as minhas ações em momento algum influenciam o rumo da história. O jogo segue uma estrutura extremamente linear e cabe ao jogador descobrir o comando certo para prosseguir a investigação, seja falando com a pessoa certa ou clicando em determinado objeto – algo que nem sempre é óbvio e implica o uso frequente de “tentativa e erro”.
O gameplay em si é quase inexistente
Os únicos momentos que se assemelham a um videojogo são raros e diminutos, obrigando o jogador a rever tudo aquilo que aprendeu durante o dia – poderás ter de escolher entre várias opções (como num teste de escolha múltipla), escrever uma determinada palavra usando o teclado ou selecionar uma informação específica do caderno de notas que carregamos connosco durante toda a aventura. Como podes ver, tudo tarefas muito simples que poderão ser facilmente executadas por qualquer jogador e, mesmo que erres na resposta, o jogo arranja sempre maneira de prosseguir.
A parte mais fascinante de Emio – The Smiling Man: Famicom Detective Club é mesmo o próprio Emio, o aterrorizante serial killer com o saco de papel na cabeça. A sua criação dentro do jogo foi de tal maneira bem-conseguida que quase parece um mito urbano real, com um conjunto de regras muito específico. De acordo com a lenda, Emio aborda sempre raparigas chorosas e afirma que não precisam de chorar mais porque vai dar-lhes um sorriso permanente: e é então que as estrangula até à morte.
A gravidade e natureza obscura dos assassinatos é de tal ordem que Emio consegue sozinho segurar todo o jogo, criando uma ânsia crescente para ligar os pontos, conectar histórias e descobrir a verdade, mesmo nos pontos em que a narrativa parece perder algum gás.
Personagens carismáticas, vilão memorável
Outros trunfos de Emio – The Smiling Man: Famicom Detective Club são a sua história e personagens, envolvidas em temas obscuros como assassinato/suicídio que não são propriamente comuns nos projetos da Nintendo. Todos os intervenientes possuem um alto grau de carisma, quer seja a nossa colega Tachibana (com quem por vezes jogamos), a amiga chorosa do rapaz assassinado ou o inspetor pervertido e palrador da polícia. A história muda radicalmente de cada vez que uma personagem nova é introduzida, por vezes com reviravoltas muito inesperadas, e todas elas são construídas de forma ambígua, de maneira que nunca podem ser totalmente descartadas como o assassino.
O estilo artístico característico da animação japonesa é outro grande destaque do jogo, que ajuda a fortalecer ainda mais a personalidade das personagens do jogo e permite analisar em maior detalhe as suas emoções e expressões faciais. Seja nas cenas mais descontraídas ou nas mais pesadas, os gráficos contribuem em grande escala para a atmosfera do jogo, aliados a uma dobragem japonesa exemplar que torna a história de Emio mais visceral.
Como jogador, Emio – The Smiling Man: Famicom Detective Club deixou-me dececionado: o meu input na história é nulo e, na maior parte do tempo, sou simplesmente um espetador passivo e irrelevante desta macabra história. Mas olhando para o jogo como uma investigação interativa – que suponho ser a forma correta de olhar para o projeto – o panorama muda completamente e rapidamente somos absorvidos pela lenda do homem sorridente. Se gostas daqueles mistérios “slow-burn” com laivos de Hitchcock e David Fincher, este é para ti.
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