“Deus, conceda-me a serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar”, escreveu Jamie Lee Curtis sobre sua decisão de deixar o site de mídia social X, ex-Twitter.
A atriz está entre vários nomes importantes que abandonaram a plataforma de Elon Musk este mês, citando uma guinada à direita, desinformação e falta de moderação. “Tentei ficar, mas a atmosfera se tornou tóxica demais”, disse o escritor Stephen King.
O X-odo (referência a êxodo) ou X-it (saída, exit em inglês), como é chamada a tendência, tomou forma a partir da desativação de 60.000 contas em média a cada dia na semana passada, de acordo com a plataforma de audiência Similarweb, deixando uma lacuna na vida de muitos trabalhadores.
Profissões como professores (#edutwitter) e médicos (#medicaltwitter) usavam o site antes conhecido como Twitter para fomentar a comunidade e trocar ideias. A plataforma forneceu comentários esclarecedores sobre a vida no escritório e uma maneira para freelancers se promoverem e fazerem networking. Agora, muitos estão abandonando um recurso de carreira e questionando onde mais podem encontrar os benefícios então oferecidos pela rede.
Organizações como Balenciaga e The Guardian também se retiraram. Em um editorial, o jornal afirmou que a eleição presidencial dos EUA sublinhou o que o gigante do jornalismo considerava há muito. “O X é uma plataforma de mídia tóxica e seu proprietário, Elon Musk, tem sido capaz de usar sua influência para moldar o discurso político”.
Em resposta, apoiadores de Musk criticaram as saídas como birras de progressistas. O X não respondeu ao pedido de comentário.
Do ponto de vista do trabalho, James O’Brien, apresentador de rádio da LBC e autor, disse que X se tornou menos produtivo, com poucas respostas de boa fé e “esgoto priorizado em seu feed em vez de pessoas que você realmente poderia achar interessantes”. Para aqueles que valorizam “interação, pluralidade de opiniões e boas maneiras”, ele disse, “tornou-se quase intolerável”. Ele agora está postando mais frequentemente no Bluesky, uma plataforma mais nova que se beneficiou de um aumento no uso à medida que as pessoas saíram do X.
Rhett Butler, diretor executivo da Mongabay, uma organização ambiental sem fins lucrativos, diz que começou a ver benefícios decrescentes em publicar no Twitter em novembro de 2022, um mês após Musk comprá-lo. Além de uma queda no engajamento, houve “mais interações negativas, acusações de viés e outras dinâmicas desafiadoras” que “tornaram a plataforma menos tolerável para a equipe que a gerencia”.
O LinkedIn surgiu como uma alternativa preferida. “Como uma organização sem fins lucrativos, priorizamos entender quem consome nossos relatórios e como eles usam essa informação, em vez de focar apenas nos números de tráfego”, diz Butler. Tatiana Prowell, oncologista, historicamente usou o Twitter para compartilhar conhecimento sobre câncer. Durante a pandemia, ela o usou para destacar dados emergentes, ajudando o “público e meus colegas a se manterem informados”. Ela co-fundou Healthcare Workers vs Hunger (@HCWvsHunger), uma competição amigável que arrecadou mais de US$ 2,3 milhões (R$ 13,4 milhões) para bancos de alimentos.
Agora ela também começou a postar no Bluesky. “Parece mais com o Twitter de alguns anos atrás. As trocas eram mais produtivas e a atmosfera era mais positiva”, diz Prowell. Mas ela permanecerá no X, porque pode ouvir os pacientes e “as pessoas merecem ciência e informações de saúde confiáveis, equilibradas e compreensíveis”.
Outras entidades com deveres cívicos tomaram uma decisão diferente. A força policial do Norte de Gales saiu do Twitter, porque estava “se tornando cada vez mais difícil comunicar informações oportunas, factuais e relevantes”, de acordo com a chefe de polícia Amanda Blakeman. Patrick Hurley, um membro do parlamento britânico, acredita que o X agora promove “uma agenda em desacordo com os valores do povo britânico, e encoraja cliques através da raiva”. Ele acha o Facebook e o Nextdoor mais úteis para alcançar os constituintes, e o Bluesky para formadores de opinião e pares.
Embora possam perder grandes audiências ao deixar o X, alguns criativos acreditam que não têm escolha: não é mais adequado para o propósito. “Minha sensação é que a natureza tóxica do X trabalha contra o desejo de espalhar alegria através da leitura”, diz Jonny Geller, diretor executivo da agência de talentos Curtis Brown Group. O romancista John Niven coloca de forma direta: “Seu uso [para] feeds de notícias e promoção de livros não compensa mais atravessar um oceano de sujeira”.
O escritor de comédia Jon Harvey, mais conhecido como Count Binface, acredita que a enxurrada de “conteúdo indesejado” teve um efeito material no networking e na geração de ideias. “Muito do que faço é reativo, improvisando com base no que vejo no meu feed”, ele diz. “À medida que o algoritmo se tornou mais pernicioso, eu estava vendo muito mais tweets de usuários que não seguia.”
Porém, enquanto muitos migraram, encontrar audiências e oportunidades pode ser mais difícil em outras plataformas. A blogueira de moda Camille Charrière, que tem mais de 1 milhão de seguidores no Instagram, saiu do X após a eleição nos EUA, mas sente falta de uma plataforma baseada em texto. “No Instagram, sinto-me como uma influenciadora de moda. No X, eu conseguia me conectar com pessoas que não me viam assim.”
A oportunidade de desafiar perspectivas é uma perda, diz Harvey. “Por mais que o Bluesky pareça um novo começo para muitas pessoas, provavelmente há um preço a pagar se diferentes seções da sociedade se retirarem para seus espaços seguros.”