A eleição de Donald Trump para mais um mandato como presidente dos EUA deve ter impacto considerável no programa espacial americano, em particular no retorno à Lua.
Não que o objetivo central vá mudar –isso é improvável, já que foi justamente durante a gestão anterior de Trump que a meta de levar astronautas ao solo lunar foi estabelecida pela Nasa, e isso por ordem da Casa Branca.
Porém, a ênfase do programa Artemis pode mudar. Em vez de mero retorno à Lua, ele pode se converter de maneira mais concreta em uma preparação para um objetivo ainda maior, uma inédita viagem tripulada a Marte.
Afinal de contas, já há um veículo espacial em pleno desenvolvimento pela indústria americana para ir a Marte –e é o mesmo que a agência espacial dos EUA já pretendia usar para colocar as primeiras botas na superfície lunar no século 21, quem sabe ainda antes do final de 2026 (spoiler: não vai dar tempo, nem com muita ajuda).
A chave para isso é o superfoguete faz-tudo da empresa SpaceX, o Starship, projeto capitaneado por Elon Musk, o polêmico (mas inegavelmente inteligente) bilionário que se tornou aliado de primeira hora de Trump na última campanha presidencial.
É impossível não pensar que a SpaceX ganhará (ainda mais) terreno com o programa espacial civil americano, assim como com o militar, já que o Starship também é cogitado para operações dessa natureza, como transporte rápido de carga de um ponto a outro do globo em menos de uma hora.
Primeiro, há de se imaginar que a Nasa sob Trump abrirá mais espaço para a SpaceX no programa lunar, possivelmente ejetando elementos como o foguete SLS e a cápsula Orion, que, na hipótese de sucesso do Starship, seriam mesmo supérfluos, além de caríssimos. A perda do SLS poderia complicar os planos de estabelecer uma estação orbital lunar com cooperação internacional, projeto hoje conhecido como Gateway. Mas alguém acha que Trump vai se incomodar em deixar alguns parceiros estrangeiros à beira da estrada para a Lua? Improvável.
Outra forma pela qual o novo governo pode facilitar a vida da SpaceX –não necessariamente para o bem– é com a política de desregulação. O avanço do Starship tem sido atravancado em tempos recentes pelo difícil enfrentamento da burocracia com a FAA (agência que regula aviação civil e lançamentos comerciais de foguetes).
Em parte, há sim razão para protestos da SpaceX –um excesso de preciosismo, bem como uma letargia incompatível com as prioridades estratégicas americanas, no processamento dessa papelada.
Por outro lado, essas regras todas existem por uma razão –e a operação de foguetes é atividade extremamente sensível, tanto pelo aspecto da segurança como da proteção ao meio ambiente. Difícil conceber grande preocupação de uma gestão Trump com isso, sobretudo na segunda parte.
Uma coisa é certa: Elon Musk é possivelmente o maior vencedor da eleição americana. Não só a SpaceX tende a se beneficiar, como também outras iniciativas do magnata, como a Neuralink (e seus chips cerebrais que também encontram desafios de regulação), a Tesla (com seus carros elétricos e sua ênfase em inteligência artificial) e mesmo o combalido X, que ele quase demoliu para transformar em instrumento político-eleitoral. Para quem acha que ele fez um mau negócio destruindo a reputação do antigo Twitter, vale repensar.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, em Ciência.
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