A dentista Michele Pinheiro, 43, mora em Jundiaí (a cerca de 60 km da capital paulista), mas tem consultório em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo. Desde 2017, faz de carro o trajeto de ida e volta às terças, quartas e quintas-feiras pela rodovia dos Bandeirantes. Ultimamente, porém, tem levado mais tempo para chegar ao trabalho.
O perfil do trânsito no acesso à cidade de São Paulo mudou gradativamente depois da pandemia de Covid-19, de acordo com a gestão das principais estradas paulistas. Os congestionamentos nos trechos finais de rodovias que desembocam na capital, antes mais duradouros às segundas e sextas, ficaram mais amenos nos dois primeiros dias úteis da semana, apesar de ainda terem longas filas de carros e caminhões por quatro horas, em média.
Na Anhanguera, Bandeirantes e Castelo Branco, por exemplo, até 2019 a lentidão às segundas e terças chegavam até as 12h. Hoje, de acordo com a CCR Rodovias, que administra as três estradas, geralmente o horário de picos nesses dias termina às 10h.
Às quartas e quintas, a fluidez que começava às 14h hoje tem início duas horas antes. As sextas-feiras, o comportamento do tráfego está semelhante ao das quartas e quintas, entretanto, com horário de movimento ligeiramente menor, aponta a concessionária.
“A redução da pressão no trânsito às segundas e sextas é consequência direta do trabalho remoto e do ensino a distância”, afirma Ciro Biderman, coordenador do FGVCidades.
O tráfego dessas rodovias na região metropolitana de São Paulo possui característica de deslocamentos do tipo casa-trabalho, principalmente no caso de veículos leves (como carros), diz a CCR, em nota.
Essa dinâmica, ao longo dos últimos cinco anos, sofreu impacto da pandemia, que alterou a característica de deslocamentos, em virtude da adoção de jornada híbrida por parte das empresas, bem como a migração de população para municípios do interior.
Sem fornecer números, Fernando Ferreira, gerente de operações de Ecovias e Ecopistas, diz que parte da saída atualmente é antecipada para quinta-feira e, a chegada, postergada para segunda-feira à noite ou mesmo terça. As duas concessionárias administram o sistema Anchieta-Imigrnates e a rodovia Ayrton Senna, rotas dos paulistanos para a Baixada Santista e para o litoral norte, respectivamente.
São pessoas que conseguem conseguem trabalhar remotamente do local da viagem às segundas e sextas.
“Há motorista que deixava para sair de São Paulo na sexta-feira no fim da tarde e passou a sair na quinta-feira logo depois do almoço”, diz. “É lógico que o retorno acontece em grande quantidade aos domingos, mas tem um residual muito mais presente nas segundas-feiras. Isso passa pela flexibilidade de trabalho.”
Por ser um trecho predominantemente urbano, com semáforos e tráfego municipalizado, o maior movimento de chegada na capital paulista pela Raposo Tavares é às segundas-feiras, das 6h às 10h30, segundo o DER (Departamento de Estradas e Rodagens).
“Além do elevado número de pessoas que trabalham na cidade de São Paulo, vindas de cidades vizinhas, os veículos trafegam em menor velocidade no trecho devido à quantidade de acessos diretos à rodovia. Há ainda grande quantidade de motocicletas circulando, o que também influencia a velocidade média”, afirma o órgão estadual.
Em obras na Grande São Paulo até março do próximo ano, a rodovia Presidente Dutra dificulta comparações.
É PRECISO PACIÊNCIA
O trânsito ainda tem índices inferiores aos de antes da pandemia —na Raposo, por exemplo, em outubro passado circularam cerca de 1,1 milhão de veículos pelo trecho urbano, contra 1,4 milhão no mesmo mês de 2019.
Mas a percepção da dentista Michele é que os congestionamentos só crescem. “Antes eu saía de casa às 7h e conseguia estar trabalhando no meu consultório às 8h30. Hoje chego às 9h40 ou quase às 10h”, afirma.
Segundo a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), no acumulado do ano até novembro, o índice de tráfego nas rodovias de São Paulo cresceu 2,8%. No acumulado em 12 meses, a alta foi de 2,6%
Os indicadores fazem parte da edição de novembro do Monitor de Tráfego de Rodovias. Os dados são coletados a partir de tags da empresa Veloe instalados em veículos que passam por praças de pedágio no estado. A pesquisa não apresenta números absolutos.
Para Bruno Oliva, economista e pesquisador da Fipe, o aquecimento da economia reflete os percentuais em ascensão. No caso dos veículos pesados, ou seja, caminhões, o índice cresceu 5,8% no acumulado do ano.
‘”Além de ser um grande centro consumidor, São Paulo faz parte do percurso de caminhões que vão tanto para o Norte quanto para o Sul do país”, afirma.
Entre os leves, que tiveram um crescimento do índice em 2,2% no acumulado de 12 meses, o pesquisador diz que um aumento na renda fez com que mais gente passasse a usar o carro —como mostrou a Folha, em média as ruas de São Paulo ganham 1.200 veículos zero-quilômetro todos os dias.
“Pode ser a minha percepção, mas eu tenho notado que o trânsito em São Paulo só piora, tanto na cidade quanto naquela ‘entradinha’ [fim da Bandeirantes]”, diz a dentista Michele.