“O câncer faz a gente perder muita coisa, mas não me tirou a chance de realizar meu maior sonho, que era ser mãe.” A analista comercial Luciana Tartaglione, 41, foi diagnosticada com câncer de mama aos 35 anos, em 2019, e a filha Maria Olívia nasceu neste ano.
O medo de não conseguir engravidar após o diagnóstico de câncer de mama pode ser comum entre as mulheres que tratam um tumor mamário. No entanto, a gravidez é possível, seja de forma natural ou induzida.
Por isso, é importante que a paciente converse com os médicos antes do início do tratamento, assim é possível avaliar todas as possibilidades para uma gravidez e fazer o congelamento de óvulos, procedimento feito de forma gratuita pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
A oncologista Marina Sahade, do Hospital Sírio-Libânes, afirma que toda mulher diagnosticada com câncer de mama em idade fértil deve receber orientação sobre congelamento de óvulos.
“Parte das nossas quimioterapias podem causar infertilidade mais para frente, mas não é certeza, isso depende muito da reserva ovariana da mulher e da idade que ela tem. Uma mulher perto dos 40 anos já tem uma reserva ovariana um pouco menor, essa realmente precisa congelar óvulos se ela tiver o desejo de engravidar”, diz.
Luciana Tartaglione congelou 15 óvulos para tentar engravidar após o tratamento do câncer de mama hormonal positivo de estágio 2, ou seja, ainda em fase inicial.
“Minha primeira preocupação foi se a quimioterapia poderia me deixar infértil, porque eu não queria deixar de ser mãe”, conta.
Na época, a analista fez uma uma cirurgia parcial, em que são retirados somente o tumor e a área onde ele está localizado, não sendo necessária a remoção total da mama afetada pela doença. Também passou por sessões de quimioterapia e radioterapia.
Como o câncer de mama hormonal é “alimentado” pelos hormônios produzidos pela mulher, Luciana precisou usar bloqueadores de progesterona e estrogênio por cerca de três anos, o que impede a gravidez.
Chefe do serviço de mastologia do Hospital Aristides Maltez, instituição filantrópica especializada no tratamento contra o câncer na Bahia, Ana Claudia Imbassahy explica que o bloqueador hormonal simula uma menopausa.
Além disso, os tratamentos com bloqueadores hormonais são longos, com uma duração de cinco a dez anos. “O tratamento precisa ser interrompido para que ela possa fecundar, senão ela nem consegue. Interrompe-se, ela engravida, e depois ela retorna com o medicamento”, afirma.
Aos 39 anos, os médicos autorizaram Luciana parar com o medicamento para que ela começasse o processo de FIV (fertilização in vitro) – quando os óvulos congelados são fertilizados com espermatozoides em laboratório, sendo depois implantados no útero para que a mulher possa engravidar de forma induzida.
Apesar da tentativa, a gravidez por FIV não deu certo e ela passou a tentar de forma natural em outubro de 2023. Em novembro do mesmo ano já estava grávida. Hoje a filha tem três meses de idade.
E apesar da preocupação sobre a possibilidade de não conseguir amamentar, isso também não foi um problema. “A mama que foi operada não produz leite, mas sigo amamentando minha filha com a outra mama, que sai o leite suficiente, porque ela está crescendo bem, engordando bem e crescendo bastante”, relata.
Um estudo publicado em 2023 no periódico The New England Journal of Medicine analisou a segurança de interromper temporariamente os bloqueadores hormonais em 516 mulheres jovens de até 41 anos com câncer de mama hormonal em estágio inicial para que elas tentassem engravidar.
A pesquisa mostrou que a interrupção da terapia não aumentou significativamente o risco de eventos relacionados ao câncer de mama em curto prazo em comparação com um grupo de controle externo de mulheres que continuou com uso dos bloqueadores.
As pacientes foram acompanhadas por 41 meses pelos pesquisadores, o que equivale a 3,4 anos. Nesse período, 44 mulheres apresentaram um evento de câncer de mama, como retorno da doença, ocorrência de metástase (quando o tumor se espalha para outras partes do corpo) e desenvolvimento da doença na outra mama.
É possível engravidar após outros tipos de câncer de mama
Em outros tipos de câncer de mama, como o triplo-negativo e o HER2 positivo, também é possível gestar após o tratamento, segundo a mastologista Claudia Imbassahy.
“Concluído o tratamento e a paciente estando bem, com um prognóstico bom, aí é permitido, sim, engravidar, mas tudo a gente tem que avaliar os riscos de forma individualizada”, afirma.
A advogada Priscila Faro, 39, engravidou após o diagnóstico de um câncer de mama metastático, o que é considerado raro por especialistas, visto que a literatura médica não fala em cura para pacientes com esse tipo de tumor, então o tratamento é contínuo e vitalício.
“Eu achava que não poderia engravidar. No período que eu estava fazendo a quimioterapia eu entrei em menopausa e só voltei a menstruar depois que eu suspendi a quimioterapia. Mas ninguém sabia da qualidade dos meus óvulos naquele momento”, conta.
Também seria necessário interromper com a medicação do tratamento caso ela engravidasse, o que aumentaria os riscos de disseminação da doença, por isso a gestação não era uma opção.
Para evitar a gestação, a advogada usava DIU (dispositivo intrauterino) como método contraceptivo, mas passou a usar preservativo. Em uma relação sem camisinha, engravidou.
“Minha menstruação atrasou e eu estava com medo de ser alguma coisa no ovário, no útero, alguma metástase. Fiz o teste de farmácia e, para a minha surpresa, eu estava super grávida.”
Priscila precisou parar o tratamento e os exames que verificam se há pontos de metástase no corpo, como o PET scan, já que a radiação ionizante pode fazer mal ao bebê.
Após o nascimento da filha, Maria Júlia, 4, a advogada fez a checagem e não havia nenhum tumor no corpo. Ela está em remissão (quando o câncer não é mais detectado por nenhum exame) do câncer de mama desde 2016, ano em que descobriu e tratou a doença.
“A minha filha, para mim, representou uma cura. Embora a literatura médica não fale isso para casos metastáticos, mas para mim a minha filha representa uma cura de várias formas.”
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