Não havia outro lado na revista Placar, surgida em 1970 para falar de futebol —e, portanto, do Brasil—, e hoje ainda na ativa, tendo passado por diversas encarnações ao longo do tempo.
O outro lado, princípio editorial basilar desta Folha, era desconsiderado pela publicação quando as reportagens tratavam da Democracia Corintiana, do passe livre, do Clube dos 13, da ditadura e de outros assuntos em que coubesse uma visão programática, de princípios. A Placar tinha lado e escolhia suas lutas.
Juca Kfouri, diretor histórico da Placar, não permitia críticas à Democracia Corintiana, de que ele e a publicação eram artífices e protagonistas, assim como nenhum jornalista da casa jamais enalteceria o regime militar.
Nada mais justo que o inédito documentário sobre a revista que o Museu do Futebol exibe na terça (17), às 19h, chame-se “Placar – a revista militante”. Seu diretor, Ricardo Corrêa, passou 26 anos na publicação, tendo começado em 1981 como office-boy. É o próprio Corrêa o eu lírico do documentário.
No começo não havia censores a ler a Placar, e isso facilitava a vida da Redação, formada por militantes da luta, inclusive armada, contra a ditadura. O próprio Juca atuou como motorista para a ALN de Carlos Marighella. Esse, de qualquer forma, era o espírito do tempo, e Placar aproveitava-se de um tema que era tratado marginalmente, o futebol, para transcendê-lo.
“Quem cobria o futebol eram os jornais, mas eles ficavam nos treinos, nos jogos. Se você pegar qualquer edição da Placar hoje de maneira aleatória, como fazemos com a Bíblia para retirar uma oração, você entende o que acontecia na época não só no futebol, mas no Brasil e no mundo”, disse Corrêa à coluna.
Placar colocava na capa gente como o ex-cardeal de São Paulo Paulo Evaristo Arns, nome indissociável na luta pela liberdade, sob o pretexto de o religioso ser corintiano. Mais à frente, servia-se de seu próprio “ativo”, a Democracia Corintiana, para inscrever na camisa dos jogadores do Timão a mensagem de que era importante votar nas eleições de 1982.
As lutas foram se modificando, o jornalismo, idem, e uma delas passou a ser a própria sobrevivência do título. Nos anos 1990, a revista buscou rejuvenescer seu público, e o ex-jogador Edmundo, de temperamento explosivo, encarnou o espírito “sex and rock’n’roll” —sem prejuízo do ursinho de pelúcia que ostentou na capa.
O documentário não adota o proceder de seu objeto, e seus entrevistados criticam a postura monolítica da revista. Paulo Vinícius Coelho, o PVC, também forjado na Placar, destaca o fato de Leão e Biro-Biro, dissidentes da Democracia Corintiana, jamais terem sido ouvidos pela revista naqueles anos; o próprio Juca diz que, hoje, não faria um jornalismo identificado com o “bem contra o mal”.
Hoje, quem sabe, Placar até reconhecesse o Sport como um dos campeões brasileiros de 1987. Ou talvez não fizesse questão de ter criado o próprio troféu dado ao Flamengo, vencedor da Copa União, jogada pela liga dos clubes de futebol mais relevantes economicamente do país formada naquele ano.
E, certamente, não teria dinheiro para bancar uma reportagem investigativa de um ano inteiro para desvendar a máfia da loteria esportiva. Loteria, que era, aliás, uma das principais, senão a principal, fontes de receita da revista.
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