O tema da racialização, ou melhor, de como diferentes fenótipos são usados para avaliar, classificar e prejulgar humanos, diz respeito a todos. Trata-se de uma escala comparativa na qual, quanto mais escura a cor da pele e mais presentes alguns traços (tipo de cabelo, maxilar/mandíbula, boca e nariz), mais o sujeito é desconsiderado a priori.
Os brancos de traços lisos e finos –e a palavra “fino” já equivoca com a ideia de boa qualidade que também remete à classe– são os primeiros na fila do pão. Acontece também de eles serem os últimos a reconhecê-lo, obviamente. Mas não só: a identificação com o preconceito e a luta por melhores condições de vida fizeram com que a busca por embranquecimento, leia-se melhores chances no campo social, também se fizesse presente em famílias predominantemente negras. Quem quer ter um filho sob a mira constante das polícias Civil e Militar, só para citar um exemplo?
Quem, como eu, descende de família branca pobre, como eram meus avós italianos quando chegaram aqui, deve se orgulhar do que eles foram capazes de fazer diante das condições que encontraram. Mas haja negação para ignorar que, na disputa por vagas de trabalho, a cor da pele e a procedência os colocavam anos-luz à frente dos negros. Sueli Carneiro, que ilumina as questões raciais no Brasil, aponta como o sistema de cotas já estava instituído no Brasil muito antes de virar ponto de discórdia nas universidades e mudar a cara do país.
Imigrantes europeus e asiáticos pobres foram subsidiados, mesmo não falando a língua, mesmo sendo inteiramente desconhecidos, para ocupar os postos de trabalho nos quais os negros recém-libertos não eram bem-vindos.
Em vez de qualificar uma mão de obra local e necessitada de trabalho para sobreviver, importaram-se os brancos com a intenção explícita de embranquecer a população. Com essa política, dobravam a aposta na violência que originou essas relações. E, se hoje testemunhamos o trabalho doméstico sendo confundido com trabalho análogo à escravidão, é porque nunca se modificou a mentalidade escravocrata responsável por trazer as pessoas negras para cá.
Os negros, denominação que inclui pretos e pardos, estão cada vez mais conscientes de seu lugar na sociedade, orgulhosos do fenótipo que até então era considerado indesejável– e que as influenciadoras brancas não cansam de tentar imitar com suas bocas artificiais, por exemplo. Cabe aos brancos fazerem sua parte se quiserem ter o direito de se dizer antirracistas, posto que não basta não ser racista: há que lutar.
Se engana quem pensa que se trata de uma luta na qual só os grandes feitos têm vez. É ínfimo o número de pessoas que têm poder de dar as canetadas que mudam o rumo da história. Todo o resto é feito no miudinho das escolhas cotidianas, no voto de cada um, nos gestos que começam ao nosso redor e se expandem em ondas e que dependem de um descondicionamento do olhar. Requer estranhar o que está posto, o que não vai sem um considerável desconforto. A consciência branca, ao contrário do que se comemora no dia 20 de novembro, é a consciência pesada. Não pelo que nossos ancestrais fizeram, mas pelo que continuamos a fazer diariamente. E se você é branco e não se acha racista, tenho uma má notícia para te dar.
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