O cantor de funk Marlon Brendon Coelho Couto, conhecido como “MC Poze do Rodo”, preso nesta quinta-feira (29) por apologia ao crime e suposto envolvimento com o tráfico, declarou à Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) do Rio de Janeiro que possui vínculo com o Comando Vermelho.
Antes de ingressar no sistema penitenciário do estado, os presos precisam preencher uma ficha com informações sobre a detenção. Em um dos campos, chamado “ideologia declarada”, Poze do Rodo assinalou “Comando Vermelho”. A declaração fez com que o preso fosse levado à Penitenciária Serrano Neves, conhecida como Bangu 3, onde estão membros da facção.
As investigações que levaram à prisão do MC apontaram “ligação sólida” entre ele e membros da alta liderança da organização criminosa. Segundo os investigadores, foram reunidas evidências robustas que justificaram o pedido de prisão, pelo vínculo com a facção e por propagar o nome e a ideologia do grupo criminoso.
Ainda nesta quinta-feira, o Spotify decidiu banir da plataforma músicas em que Poze do Rodo, que possui quase 20 milhões de seguidores nas redes sociais, teria praticado apologia ao crime.
Antes de cantor admitir vínculo com facção, deputadas criticaram prisão: “racismo”
Horas antes de imagens do documento preenchido pelo funkeiro vazarem à imprensa, duas deputadas federais do Psol saíram em defesa do cantor, alegando que sua prisão tinha relação com racismo e preconceito contra o funk e moradores de favela.
Talíria Petrone (Psol-RJ) chegou a dizer que a prisão do MC “é mais um capítulo da criminalização da cultura de favela”. A parlamentar afirmou que a medida se trata de uma perseguição contra “fazedores de cultura”, e que considera uma hipocrisia alguém “defender a prisão de um artista”.
Já Érika Hilton (Psol-SP) declarou que a prisão do cantor busca “projetar nos negros, nas favelas e nas periferias todos os pecados do mundo”. “Esse tratamento que Poze do Rodo recebeu hoje não tem nada a ver com os crimes pelos quais ele é acusado. É só mais uma forma de um sistema extremamente corrupto e criminoso colocar a culpa em alguém”, disse a parlamentar nas redes sociais.
Para Talíria Perone, haveria em curso uma suposta criminalização de quem canta a realidade das favelas. A investigação da Polícia Civil, no entanto, apontou muitos mais do que “cantar a realidade” desses locais. Segundo as investigações, Poze do Rodo se apresenta apenas em regiões controladas pelo Comando Vermelho, onde traficantes fortemente armados com fuzis marcam presença para assegurar a “proteção” do cantor.

Letras de Poze do Rodo exaltam facção e fazem apologia a vários crimes
A investigação menciona também que as músicas de Poze do Rodo contêm mensagens que exaltam o tráfico de drogas e o uso ilegal de armas de fogo, além de estimular confrontos entre facções criminosas nas comunidades, o que afetam diretamente moradores inocentes.
Entre os trechos da música “Fala que a tropa é Comando Vermelho” – uma das que foram banidas pelo Spotify – o cantor exalta o crime, armas de fogo e confrontos armados de criminosos com a polícia e com facções rivais.
“Só soldado bom de guerra
Que te mira e não te erra
Só AKzão na favela
Com vários pentão reserva
Aonde entrar, cês leva
Fala que a tropa é Comando Vermelho
Só soldado preparado, os menor descontrolado
Se os cana brotar, a bala vai comer”
A Polícia Civil também aponta que os shows do cantor são utilizados de forma estratégica pela organização criminosa como meio de ampliar os lucros com a venda de drogas, recursos que seriam posteriormente investidos na compra de armamentos, entorpecentes e outros materiais ligados ao crime.
“Um desses eventos foi realizado no dia 19 de maio deste ano, na comunidade da Cidade de Deus, com a presença de diversos traficantes armados. O show, no qual o cantor entoou diversas músicas enaltecendo a facção criminosa, ocorreu poucas horas antes da morte do policial civil José Antônio Lourenço, integrante da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), em uma operação policial na comunidade”, informou a Polícia Civil.
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Na avaliação de Eduardo Matos de Alencar, doutor em sociologia e autor do livro “De quem é o Comando? O desafio de governar uma prisão no Brasil”, há um segmento da esquerda brasileira que ainda identifica a repressão ao crime organizado com uma ação ideológica do Estado contra os mais pobres, como se toda a favela se identificasse com o crime e a subcultura delinquente que as facções reproduzem.
“O que as músicas, os clipes e os shows de artistas assim mostram é a glamorização de uma comunidade dominada pelo crime organizado. E sabemos que esse domínio hoje já avança para bairros de classe média”, diz Alencar.
“De certa forma, é o crime dando um recado pelos seus aparelhos de cultura. E o Brasil deveria levar a sério esse recado. Não só combatendo os sintomas da doença, como são esses MCs, mas retirando de vez esses territórios das mãos do crime organizado”, prossegue.