Mergulhada na obra de Clarice Lispector, descobri uma crônica que ela escreveu para o Jornal do Brasil (12/9/1970): “Das vantagens de ser bobo”. Lembrei-me das inúmeras vezes que fui chamada de “bobinha”, “boazinha” e “meiguinha” por ser aquela que nunca briga, não grita e é praticamente invisível para não incomodar ninguém. Aquela que, por ter sido espancada e xingada de “bosta” pelo pai, acabou se escondendo em um armário escuro e não tem, até hoje, coragem de sair de lá. Aquela que sempre foi triste e teve vergonha de ser a “Olívia Palito”, “diferente” de todas as meninas alegres, autoconfiantes e bonitas.
Como faço aniversário no dia 11 de dezembro, e minha meta para 2025 é brincar e rir dos meus medos e vergonhas de envelhecer, resolvi me dar um presente: parafraseei a deliciosa crônica de Clarice e escrevi “Das vantagens de ser uma velha ridícula”.
A velha ridícula não tem medo de ser xingada, pois sabe a dor e a delícia que é ser uma velha ridícula.
A velha ridícula se alimenta de projetos e desafios, pois ela tem “tesão na alma”, como disse Rita Lee.
A velha ridícula aprendeu a dizer não e a ligar o botão do foda-se para a opinião e julgamento dos outros.
A velha ridícula veste a roupa de que mais gosta, mesmo que seja considerada velha demais para usar biquíni, minissaia, shorts e cabelos com todas as cores do arco-íris.
A velha ridícula ganhou autonomia, coragem e sabedoria para aceitar e amar a beleza de ser perfeitamente imperfeita.
A velha ridícula tirou os óculos da velhofobia e colocou os óculos da velhautonomia, e tem, cada vez mais, coragem de ser ela mesma.
A velha ridícula não reclama. Em compensação, exclama por acordar, todos os dias, com saúde, trabalho e vontade de viver.
A velha ridícula é tão encantadora que inspira muitas mulheres a envelhecerem com mais liberdade, felicidade e generosidade.
Ser uma velha ridícula é uma escolha existencial e, como toda atitude criativa e transformadora, dá muito trabalho. Por isso, é importante não esquecer que Simone de Beauvoir escreveu que muitas vezes é mais confortável suportar uma escravidão cega do que trabalhar para se libertar. No entanto, não há, para a mulher, outra saída a não ser lutar para ser livre. Cada mulher que se liberta, liberta muitas mulheres que estão prisioneiras de uma vida infeliz e miserável.
A velha ridícula aprendeu a gozar, brincar e rir das próprias vergonhas.
Aviso: não confundir velhas ridículas com velhas safadas. A velha ridícula é tão invejada por sua liberdade e felicidade que existem algumas safadas que querem se passar por velhas ridículas.
Há desvantagem, obviamente. A velha ridícula acaba se machucando com os tombos que leva e com os ataques dos golpistas emocionais. Ela sofre demais quando recebe uma punhalada de quem amava e confiava.
Mas, em contrapartida, a vantagem de ser uma velha ridícula é ter uma enorme empatia, dedicação e carinho por todos os que sofrem por serem “diferentes”.
Bem-aventuradas as velhas ridículas, porque elas sabem tudo o que é realmente importante para ter uma vida com mais propósito e significado, mesmo que, muitas vezes, não tenham a menor consciência de que já sabem.
É quase impossível evitar o excesso de amor que a velha ridícula provoca. Só a velha ridícula é capaz de excesso de amor. E só o amor faz a velha ridícula.
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