“Ainda não está claro como um musaranho-arborícola embriagado poderia se comportar”, escrevem os autores de um estudo publicado há pouco no periódico especializado Trends in Ecology & Evolution. Bem, taí uma frase que a gente não vê todo dia na literatura científica.
Acontece que o bicho, um parente distante dos primatas natural do Sudeste Asiático, passa suas noites bebendo o que talvez possamos descrever como “cerveja natural”. Trata-se do néctar fermentado de palmeiras do gênero Eugeissona, com teor alcoólico de cerca de 4%, não muito diferente das cervejas mais comuns.
De acordo com uma pesquisa pioneira sobre o tema, levando em conta o tamanho diminuto do animalejo (uns 15 cm, sem contar a cauda), é como se ele fosse uma pessoa que consome nove taças de vinho ao longo de 12 horas. Curiosamente, até hoje ninguém detectou alterações significativas em sua coordenação motora ou comportamento (ainda que, de novo, não seja propriamente fácil medir isso…).
O musaranho é só um dos casos mais chamativos de um fenômeno mais amplo, que poderíamos chamar de darwinismo etílico. De acordo com os autores do novo estudo, liderados por Kimberley Hockings, da Universidade de Exeter (Reino Unido), estamos começando a descobrir uma “ecologia evolutiva do etanol”. Ao que parece, a paixão humana por bebidas com essa molécula é um caso especial de uma história mais antiga, que envolve diversas outras espécies.
Nem sempre é uma história de sucesso, claro. Que o digam os picoteiros (gênero Bombycilla), aves do hemisfério Norte que às vezes sofrem acidentes de voo por ingerir frutinhas fermentadas (em geral, elas ficam congeladas durante o inverno e são consumidas na primavera seguinte, o que explica a formação de álcool).
Do lado das espécies que aparentemente “bebem com moderação”, temos o lóris, primata que também vive no Sudeste Asiático, assim como uma espécie de macaco-aranha da América Central, que aprecia frutas fermentadas com teores consideráveis de álcool. E chimpanzés chegam ao cúmulo de fabricar esponjas com folhas para coletar a seiva fermentada de palmeiras.
Todos esses bichos, diz a equipe de Exeter, estão se aproveitando de uma corrida armamentista entre micróbios, ao que tudo indica. Em geral, não são as plantas que produzem álcool etílico, mas sim a levedura (fungo microscópico) Saccharomyces cerevisiae.
A levedura fermenta o açúcar das frutas para se alimentar, produzindo etanol como subproduto –mas também como veneno. Como bactérias também infectam os mesmos frutos, a ideia é que o álcool esteja sendo usado pela levedura para matar suas concorrentes bacterianas. Quando o fungo se multiplica muito na fruta, ele passa a “comer” tanto açúcares quanto o próprio etanol, uma estratégia que os cientistas apelidaram de “produzir-acumular-consumir”.
Como grande parte dos animais carrega, em seu DNA, genes que carregam a receita para moléculas que “quebram” o álcool, é bem possível que eles tenham se adaptado há muito tempo para aproveitar ao menos um pouco desse recurso.
O que realmente não se vê na natureza, porém, é o teor alcoólico das bebidas destiladas, como uísque ou cachaça. Nesse caso, a única explicação é a tendência humana ao exagero. Moderemo-nos, pois.
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