Milhões de artigos científicos são publicados em todo o mundo todos os anos. Sobre ciência, tecnologia, engenharia, matemática e medicina, eles apresentam descobertas que vão desde o mundano até o profundo.
Desde 1900, o número de artigos científicos publicados dobrou a cada 10 ou 15 anos; a partir de 1980, cresce cerca de 8% a 9% anualmente. Essa aceleração reflete o imenso e sempre expansivo escopo de pesquisas em inúmeros tópicos, desde os confins do cosmos até as complexidades da vida na Terra e da natureza humana.
No entanto, essa expansão extraordinária já foi considerada insustentável. Em seu influente livro de 1963, “Little Science, Big Science… And Beyond”, o fundador da cientometria Derek de Solla Price previu limites para o crescimento científico.
Ele alertou que o mundo logo esgotaria seus recursos e seu pool de talentos para pesquisa. E imaginou que isso levaria a um declínio nas novas descobertas e a possíveis crises na medicina, na tecnologia e na economia. Na época, os acadêmicos aceitaram amplamente sua previsão de uma desaceleração iminente do progresso científico.
Previsões errôneas
Mas a ciência desafiou de forma espetacular a terrível previsão de Price. Em vez de estagnação, o mundo agora experimenta a “megaciência global” —uma rede vasta e sempre em avanço de descobertas científicas. Essa explosão de produção fez com que a previsão de colapso de Price seja, talvez, o prognóstico mais surpreendentemente incorreto no estudo da ciência.
Infelizmente, Price morreu em 1983, cedo demais para perceber seu erro.
Então, o que explica a capacidade sustentada e dramaticamente crescente do mundo para a pesquisa científica?
Somos sociólogos que estudam o ensino superior e a ciência. Nosso novo livro, “Global Mega-Science: Universities, Research Collaborations, and Knowledge Production”, publicado no 60º aniversário da fatídica previsão de Price, oferece explicações para esse progresso rápido e sustentado. Ele traça a história da descoberta científica em nível global.
Fatores como crescimento econômico, guerras, corridas espaciais e competição geopolítica, sem dúvida, estimularam a capacidade de levantamentos por especialistas. Mas eles, por si sós, não podem explicar a imensa escala do empreendimento científico atual.
Revolução da educação: motor secreto da ciência
De muitas maneiras, a capacidade científica do mundo foi construída com base nas aspirações educacionais de jovens adultos que buscam o ensino superior.
Nos últimos 125 anos, o aumento da demanda e do acesso ao ensino superior provocou uma revolução educacional global. No mundo contemporâneo, mais de dois quintos dos jovens de 19 a 23 anos, embora com enormes diferenças regionais, estão matriculados no ensino superior. Essa revolução é o motor que impulsiona a capacidade de pesquisa científica.
Atualmente, mais de 38 mil universidades e outras instituições de ensino superior em todo o mundo desempenham um papel fundamental na descoberta científica. A missão educacional, com financiamento público e privado, subsidia a missão de pesquisa, sendo que grande parte do dinheiro das mensalidades dos alunos é destinada ao apoio ao corpo docente.
Esse conjunto de professores e educadores equilibra o ensino com a realização de pesquisas abrangentes. Os cientistas das universidades contribuem com 80% a 90% das descobertas publicadas todos os anos em milhões de artigos.
O financiamento externo para a pesquisa ainda é essencial para equipamentos especializados, suprimentos e apoio adicional para o tempo de estudo. Mas a capacidade de trabalho diário das universidades, especialmente dos acadêmicos que trabalham em equipes, forma a base do progresso científico global.
Mesmo os mais generosos orçamentos nacionais de ciência e de pesquisa e desenvolvimento comercial não conseguem sustentar totalmente a infraestrutura básica e a equipe necessária para a investigação científica contínua.
Da mesma forma, os laboratórios do governo e os institutos independentes, como Nacional de Saúde dos Estados Unidos ou o Max Planck, da Alemanha, não poderiam substituir a capacidade de produção que as universidades proporcionam.
A colaboração beneficia a ciência e a sociedade
Nas últimas décadas, também houve um aumento nas colaborações globais. Esses acordos aproveitam diversos talentos de todo o mundo para melhorar a qualidade dos estudos.
As parcerias internacionais resultaram em milhões de artigos em coautoria. Mas estas eram relativamente raras antes de 1980, respondendo por pouco mais de 7.000 artigos, ou cerca de 2% da produção global naquele ano. Em 2010, esse número havia aumentado para 440 mil artigos, o que significa que 22% das publicações científicas do mundo resultaram de colaborações internacionais.
Esse saldo positivo, baseado no “dividendo da colaboração”, continua até hoje e tem demonstrado produzir as pesquisas de maior impacto.
As universidades tendem a compartilhar objetivos acadêmicos com outras e têm redes amplas e uma cultura de abertura, o que torna essas colaborações relativamente fáceis.
Atualmente, as universidades também desempenham um papel fundamental nas supercolaborações internacionais que envolvem equipes de centenas ou até milhares de cientistas. Nessas grandes parcerias, os pesquisadores podem lidar com questões importantes que não conseguiriam em grupos menores com menos recursos.
As supercolaborações facilitaram avanços na compreensão da complexa física do Universo e na síntese da evolução e da genética que os cientistas de um único país jamais conseguiriam alcançar sozinhos.
O papel dos hubs globais
Os centros formados por universidades de todo o mundo tornaram a pesquisa científica totalmente global. O primeiro desses centros globais, formado por dezenas de universidades de pesquisa norte-americanas, teve início na década de 1970. Eles se expandiram para a Europa na década de 1980 e, mais recentemente, para o sudeste Asiático.
Esses centros regionais e alianças de universidades unem cientistas de centenas de universidades em projetos de pesquisa colaborativa.
Os cientistas dessas universidades muitas vezes transcenderam as fronteiras geopolíticas, com pesquisadores iranianos publicando artigos com americanos, alemães colaborando com russos e ucranianos e cientistas chineses trabalhando com seus colegas japoneses e coreanos.
A pandemia da Covid-19 demonstrou claramente a imensa escala da colaboração internacional na megaciência global. Em apenas seis meses após o início da pandemia, os cientistas do mundo todo já haviam publicado 23 mil estudos científicos sobre o vírus. Esses estudos contribuíram para o rápido desenvolvimento de vacinas eficazes.
Com a expansão das redes globais das universidades, as colaborações podem se espalhar pelos principais centros de pesquisa para todas as partes do mundo.
A megaciência global é sustentável?
Mas, apesar do impressionante crescimento da produção científica, esse tipo de megaciência altamente colaborativa e transnacional enfrenta desafios.
Por um lado, as taxas de natalidade em muitos países que produzem muita ciência estão diminuindo. Por outro lado, muitos jovens em todo o mundo, principalmente os de países de baixa renda, têm menos acesso ao ensino superior, embora haja algum progresso recente no sul global.
Para manter essas colaborações globais e esse alto índice de produção científica, será necessário expandir o acesso ao ensino superior. Isso porque os fundos do ensino superior subsidiam os custos de pesquisa, e o ensino superior treina a próxima geração de cientistas.
De Solla Price não poderia ter previsto quanto as universidades seriam essenciais para impulsionar a ciência global. Para o bem ou para o mal, o futuro da produção científica está ligado ao futuro dessas instituições.
Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original