O novo espaço escolhido para a atracagem de navios de luxo durante a COP30 (conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas) fica em uma área onde as casas dependem de fossas cavadas no chão, em razão da falta de uma rede coletora de esgoto; onde falta água limpa na torneira; e onde uma enorme erosão expulsa moradores para partes mais distantes do rio.
Previsto como ponto de ancoragem de transatlânticos, o porto de Outeiro —um distrito de Belém, a 30 km do centro da cidade, percorridos em uma hora— tem um entorno populoso, com casas próximas ao terminal, sem acesso a serviços básicos.
O porto foi improvisado como nova opção para a chegada de navios de cruzeiro —também um improviso, uma forma de tentar ampliar em 4.500 quartos a oferta de leitos na COP30— após recuo do governo Lula (PT) e do governo do Pará, de Helder Barbalho (MDB), em relação à ideia inicial.
Os navios aportariam no porto de Belém, uma área bem central, ao lado da Estação das Docas. Para que os transatlânticos alcançassem o porto, seria necessária uma obra de dragagem na baía do Guajará orçada em R$ 210,3 milhões, com remoção de 6,14 milhões de metros cúbicos de material dragado. Os sedimentos seriam depositados na baía de Marajó.
Um parecer técnico, elaborado pela Semas (Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade) do Pará, apontou que a dragagem tem impactos previstos para o fundo de corpos hídricos, a composição de sedimentos, o comportamento de mamíferos aquáticos e para a própria qualidade da água na baía, como mostrou reportagem publicada pela Folha no último dia 7.
A autorização para as obras no porto de Belém, com extensão ao terminal portuário de Outeiro e ao terminal de Miramar, foi concedida pela Semas. Uma licitação foi feita pela CDP (Companhia Docas do Pará), empresa pública vinculada ao Ministério de Portos e Aeroportos, em outubro de 2024. Duas empresas consorciadas foram escolhidas, com homologação da contratação.
Após serem contatadas pela reportagem na segunda (6), a Casa Civil da Presidência e a CDP comunicaram o cancelamento da licitação.
A mudança de planos sobre o porto que servirá aos transatlânticos ocorreu em dezembro. A escolha pelo terminal de Outeiro, uma ilha que está fora da rota dos principais espaços previstos para a COP30, foi feita sem o acompanhamento detalhado de medidas que beneficiem a população próxima ao porto.
Em nota, o governo do Pará afirmou que obras de pavimentação em Outeiro integram investimentos da COP30. No total, são mais de 6 km em serviços que “também envolvem drenagem superficial e profunda, terraplanagem, sinalização e calçadas”, conforme a gestão Barbalho.
“Os investimentos beneficiam a população do distrito e fazem parte do legado das obras da COP”, cita a nota. Sobre a água distribuída na região, resultados recentes atendem aos padrões estabelecidos pelo Ministério da Saúde, e sistemas asseguram parâmetros de cloro e ferro na água, disse a gestão paraense.
A Casa Civil da Presidência, a CDP (que administra o porto de Outeiro) e a prefeitura de Belém não responderam aos questionamentos da reportagem.
O evento da ONU (Organização das Nações Unidas) ocorrerá de 10 a 21 de novembro deste ano. É a primeira vez que uma COP será realizada na região amazônica.
O terminal portuário de Outeiro fica na região do bairro Brasília, onde até poucos anos atrás uma grande quantidade das ruas não tinha asfalto.
No porto há intenso movimento de caminhões e de cargas, com acesso restrito, controlado por uma guarda. Cinco grandes guindastes se enfileiram na plataforma que avança sobre o rio.
A praia do Brasília, ao lado do porto, vive uma realidade de abandono, por uma conjunção de fatores: falta de segurança, acúmulo de lixo e esgoto carregados do bairro após chuvas mais fortes e impossibilidade de circulação de ônibus na rua paralela à praia. Esse impedimento, segundo moradores da região, se deve a uma erosão em expansão, que vem avançando pela rua asfaltada.
“Quando a maré desce, aqui junta todo tipo de lixo. É muita garrafa de plástico”, diz Damires Lorena Monteiro, 28, que mora com o marido e dois filhos numa casa suspensa na área da praia. O porto de Outeiro está próximo à casa.
“Aqui, se o morador quiser, ele tem de construir a fossa dele. Não há rede de esgoto, e muitas vezes o próprio rio é o destino final do esgoto que é carregado da rua pela chuva”, afirma Damires.
Moradores do bairro Brasília reclamam da qualidade da água que chega às torneiras, fornecida pela Cosanpa (Companhia de Saneamento do Pará). A água tem um aspecto sujo e é imprópria para beber, segundo os moradores.
Sem água limpa, o mais comum nessa parte de Outeiro é a busca por poços cavados por vizinhos, por nascentes ou a compra de água mineral.
“Eu uso a água dos poços de dois vizinhos. A água da Cosanpa não tem qualidade, ela vem turva, amarela”, afirma o estudante Filipe Miranda, 26, que mora com a mulher numa casa em uma das entradas para a praia ao lado do porto.
Filipe diz que a erosão que avança até o asfalto representa risco para casas de moradores. A autônoma Priscila Vieira, 36, afirma ter deixado sua casa após o solo começar a afundar e a ceder. Ela buscou uma casa mais distante do rio e da erosão. “Já ouvi falar sobre projeto do governo para segurar esse barranco, mas nada foi feito. Gosto de ficar aqui, é fresco por causa do vento.”
Moradores convivem ainda com enxurradas nas ruas causadas pelas chuvas e risco constante de enchentes em meses mais chuvosos.
Próximo ao movimento intenso de cargas, um portinho –o porto de Brasília ou porto do Barquinho, como é conhecido— serve de ponto de chegada e saída de passageiros que se locomovem entre Outeiro e Icoaraci, outro distrito de Belém.
Os dois distritos estão separados pelo furo do Maguari, e atravessá-lo em embarcações simples custa R$ 2, num percurso de cinco minutos. O governo do Pará constrói uma ponte no furo para interligar os dois distritos.
Quem vive no bairro Brasília acredita que a chegada de transatlânticos no porto de Outeiro, caso a ideia prossiga até a COP30, pode gerar alguma visibilidade para o lugar, com a implementação de serviços públicos ausentes até então.