Com mais de 30 horas de atraso e momentos em que as negociações ficaram por um fio, os quase 200 países membros da convenção do clima da ONU (Organização das Nações Unidas) chegaram a um acordo para estabelecer uma nova meta global de financiamento climático na COP29, cúpula que acontece em Baku, no Azerbaijão.
Embora o resultado final gere insatisfação entre parte dos delegados e ambientalistas, a definição da nova meta global, mais conhecida pela sigla em inglês NCQG (novo objetivo coletivo quantificado), impediu o fracasso da COP29, que tinha o fluxo de recursos como principal ponto da agenda.
A decisão foi selada em plenária na madrugada deste domingo (24) em Baku, noite deste sábado (23) no Brasil.
O montante aprovado, de US$ 300 bilhões anuais para o financiamento climático, ficou bem abaixo do US$ 1,3 trilhão pedido pelos países em desenvolvimento.
O texto final estabelece que os países ricos precisam financiar os US$ 300 bilhões anuais até 2035, “de uma grande variedade de fontes, públicas e privadas, bilaterais e multilaterais, incluindo fontes alternativas”. Não restringir os recursos a fontes públicas é um dos pontos criticados por ambientalistas.
Foi acordado também o lançamento de um programa de trabalho Baku-Belém, que tem o objetivo de finalmente se chegar à marca de US$ 1,3 trilhão, considerada ainda um piso para os países-ilhas e as nações menos desenvolvidas.
Assim, recai para o Brasil, que sediará a COP30, na capital do Pará, em 2025, articular caminhos para aumentar os recursos até o patamar de US$ 1,3 trilhão. Apesar dessa missão, a lição de casa para a diplomacia brasileira é menor do que se não houvesse um acordo na COP29. Em caso de fracasso em Baku, a agenda seria herdada para Belém.
O processo negocial que levou à aprovação do documento teve momento de tensões, e, ao longo do dia, observadores e diplomatas chegaram a duvidar de que haveria consenso. A plenária final, que atravessou a madrugada de domingo em Baku, só começou na noite do sábado —mais de 24 horas após a previsão inicial— e foi pausada duas vezes para discussões.
O texto levado à plenária só foi apresentado por volta das 18h do sábado pelo horário de Brasil, quando já era 1h do domingo no Azerbaijão.
A proposta inicial da presidência da COP29, revelada apenas na sexta (22), dia em que a conferência deveria ter acabado, previa US$ 250 bilhões anuais até 2035. O texto foi classificado como inaceitável pelos países em desenvolvimento, além de diversos observadores e organizações ambientais.
Na tarde do sábado, num dos momentos de maior tensão da cúpula, como forma de protesto, as delegações dos pequenos Estados insulares e dos países menos desenvolvidos –mais conhecidos, respectivamente, pelas siglas em inglês Aosis e LDCs– chegaram a abandonar temporariamente a reunião com a presidência da COP29.
“Os pequenos Estados insulares em desenvolvimento e os países menos desenvolvidos estão entre os mais afetados por esta crise climática que não causamos. Ainda assim, temos sido continuamente desrespeitados pela falta de inclusão. Nossos apelos estão sendo ignorados”, afirmou Cedric Schuster, enviado de Samoa em nome da aliança dos Aosis.
A plenária final da COP29, iniciada pouco depois das 20h do sábado em Baku (13h em Brasília), foi aberta aprovando pontos mais burocráticos da agenda, em um claro sinal de que ainda não havia acordo para o financiamento, o principal item da agenda. O primeiro ponto foi a passagem oficial de bastão para o Brasil como sede da COP30, selada com discurso da ministra do Meio Ambiente (Marina Silva).
Muitas das dificuldades do processo negocial foram atribuídas à presidência da COP29, a cargo da diplomacia azeri, pouco experiente na área.
Ainda assim, o maior entrave ao avanço das negociações foi atribuído à resistência dos países ricos em aumentarem a ambição do financiamento global para o clima nos países mais pobres, um tema que, em tempos de ascensão da ultradireita, não costuma ter muito apelo com o público doméstico.
A delegação da União Europeia foi considerada uma das principais responsáveis por bloquear o aumento das ambições. A postura de outros países ricos, com destaque para os Estados Unidos e o Canadá, também foi bastante criticada por observadores.
A proposta de US$ 300 bilhões anuais foi apoiada pelo Brasil a partir da noite da sexta, após o texto que oferecia US$ 250 bilhões ter sido amplamente rejeitado. Os US$ 300 bilhões foram, a partir de então, a cifra colocada na mesa pela União Europeia, com endosso de outros países desenvolvidos.
O NCQG chega para substituir o compromisso de financiamento de US$ 100 bilhões anuais, válido entre 2020 e 2025, e cuja implementação efetiva é questionada por observadores e por vários países, incluindo o Brasil.
Ainda que um levantamento da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) indique que essa cifra foi alcançada nos últimos dois anos, outros relatórios afirmam que isso não aconteceu.
Entre aquilo que realmente foi desembolsado, grande parte ocorreu na forma de empréstimos, muitas vezes com juros de mercado, o que contribui para ampliar a dívida dos países em desenvolvimento.
Conforme a convenção do clima da ONU e o Acordo de Paris, o financiamento climático é pago somente pelos países desenvolvidos, maiores responsáveis históricos pelas emissões de gases-estufa, que conseguiram com isso, em larga medida, o crescimento de suas economias nos últimos dois séculos.
Mais recentemente, porém, as nações ricas vêm investindo contra esse ponto, tentando incluir emergentes com economias mais desenvolvidas na base de doadores. O alvo principal é a China, líder atual de emissões, mas contempla também os petroestados do Golfo, a Coreia do Sul e até o Brasil.
Os países em desenvolvimento rechaçam essa ideia, mas têm sinalizado abertura para contribuições voluntárias, algo que já está previsto no Acordo de Paris. A China, por exemplo, diz que já doou mais de US$ 24 bilhões em financiamento climático desde 2016.
Outro ponto de destaque da cúpula foi a aprovação das regras gerais do mercado de carbono, previstas no Artigo 6 do Acordo de Paris, que se arrastavam há mais de oito anos.
O objetivo é viabilizar um mercado voluntário governado pela ONU, por meio do qual se possa negociar os créditos de carbono.
Esse ponto foi apontado como prioridade pela presidência azeri da conferência, que aprovou o tema já na primeira plenária na conferência, apanhando algumas delegações de surpresa.
Embora tenha o potencial de destravar o mercado de carbono, a proposta não seguiu o rito habitual de ouvir amplamente os países, o que foi criticado por várias partes.
“Foi um gol de mão que foi validado”, comparou Alexandre Prado, líder em mudanças climáticas do WWF-Brasil, que acompanhou as negociações em Baku.
Ainda que considere que as críticas ao mercado de carbono sejam válidas, já que nos últimos anos houve uma sucessão de escândalos relacionados a projetos na área, o especialista diz que, em linhas gerais, a aprovação tende a ser positiva.
Para Prado, a resolução é bom sinal para o Brasil, “que pode considerar este mecanismo para aumentar a escala em restauração florestal”.