A última versão do texto da nova meta global de financiamento climático, mais conhecida pela sigla em inglês NCQG (novo objetivo coletivo quantificado), propõe que os países ricos desembolsem US$ 250 bilhões anuais com esse fim: um valor que representa menos de um quinto do US$ 1,3 trilhão pedido pelas nações em desenvolvimento.
A pouca ambição da cifra, que praticamente não cobre a inflação da meta anterior, de US$ 100 bilhões anuais até 2025, foi duramente criticada por ambientalistas.
O documento representa a proposta da presidência da COP29 (conferência do clima da ONU), a cargo da diplomacia azeri, e vai agora ser analisado pelos quase 200 países que participam da reunião, marcada para terminar nesta sexta (22) em Baku, no Azerbaijão.
O texto indica que os países ricos “vão liderar” a mobilização dos recursos. Uma especificidade da redação que, segundo ambientalistas, abre espaço para que nações emergentes também tenham que contribuir.
Os recursos poderão ser provenientes “de uma ampla variedade de fontes, públicas e privadas, bilaterais e multilaterais, incluindo fontes alternativas”. Também entrariam na conta os fluxos financeiros mobilizados por bancos multilaterais de desenvolvimento.
Ou seja: outra reivindicação das nações em desenvolvimento, de que os fundos sejam repassados apenas através de doações, e não de empréstimos, tampouco foi atendida.
Até agora, a maior parte do financiamento climático tem sido concedido através de empréstimos, muitas vezes com juros de mercado, o que tem contribuído para aumentar a já elevada dívida dos países mais pobres.
“O texto é completamente inaceitável”, resume Stela Herschmann, especialista em políticas climáticas do Observatório do Clima que está acompanhando as negociações em Baku. Ela enumera problemas que vão desde a falta de clareza até a possibilidade de que a conta do financiamento acabe incluindo também os países em desenvolvimento.
Especialista especialista do Greenpeace Brasil, Camila Jardim considera que a atual versão do NCQG é pior do que a anterior.
“O texto não resolve o problema da péssima qualidade do financiamento climático. Ao estabelecer uma nova meta de 250 bilhões de dólares ao ano (para substituir a anterior de US$ 100 bilhões), reduz a responsabilidade dos países desenvolvidos ao dizer apenas que eles devem ‘liderar’ tal financiamento”, destacou.
“Para além disso, o documento não deixa claro qual percentual desses US$ 250 bilhões deve vir de doações ou de financiamento altamente concessional, o que novamente levanta preocupação sobre o endividamento dos países em desenvolvimento e a dificuldade de financiar a ação climática nesses países”, completou.
O texto chega a citar a necessidade de se chegar ao US$ 1,3 trilhão anua até 2035, mas, não indica um compromisso com esse objetivo. O documento pede ainda que outros países ajudem os ricos a pagarem a conta, “conclamando todos os atores a trabalharem juntos para possibilitar a ampliação do financiamento”.
A proposta “convida as partes dos países em desenvolvimento a fazer contribuições adicionais, incluindo por meio de cooperação Sul-Sul, para complementar a meta” de US$ 1,3 trilhão.
Pelos termos da convenção do clima da ONU e do Acordo de Paris, o pagamento do financiamento climático é feito apenas pelos países desenvolvidos, maiores responsáveis históricos pelas emissões de gases estufa e que, com isso, conseguiram em larga medida o crescimento de suas economias nos últimos dois séculos.
Os países ricos, contudo, vêm questionando a atual divisão de contas em vigor, pressionando pela ampliação da base de doadores. O objetivo é incluir principalmente os emergentes com economias mais desenvolvidas, como China, maior emissor atual, além dos estados do Golfo, Coreia do Sul e até o Brasil.
Os países em desenvolvimento, porém, rechaçam categoricamente essa possibilidade.
Stela Herschmann, do Observatório do Clima, avalia que a redação do texto tem várias lacunas e margens para interpretações. “Não tem referências a doações, não tem separação entre o que é financiamento climático e ajuda para desenvolvimento.”
A especialista em políticas climáticas critica ainda a falta do estabelecimento de revisões periódicas do andamento do NCQG, que teria validade até 2035. “Não tem nenhuma previsão de revisão disso no meio do caminho, então isso é por 10 anos. Depois se colocar essa estrutura assim, fica muito difícil de se voltar o que era antes.”
A publicação da proposta, que chegou com quase três horas de atraso em relação à hora marcada, trouxe apreensão entre os participantes, que correram para analisar o texto. A delegação dos países-ilhas, que estava prestes a entrar em uma coletiva de imprensa para apresentar seu posicionamento, cancelou o evento para conseguir reagir rapidamente ao texto.
Nos bastidores, a presidência da COP29, nas mãos de Mukhtar Babayev, do Azerbaijão, vem sendo criticada por muitas delegações, inclusive a brasileira.
Pouco experiente na arena internacional, a diplomacia azeri estaria conduzindo os trabalhos de maneira errática. Para alguns delegados, os anfitriões parecem estar perdidos sobre o rumo a seguir.
O Brasil foi convocado, juntamente com o Reino Unido, a auxiliar a destravar as negociações. A delegação brasileira se mobilizou para conversar com os países e buscar consensos para o texto do NCQG.
Os brasileiros chegaram a oferecer mais ajuda à presidência da COP29, que declinou a proposta.