Com o financiamento para as questões climáticas no centro de suas discussões, a 29ª conferência das Nações Unidas sobre o clima, a COP29, atraiu uma delegação de indígenas brasileiros. Em Baku, capital de Azerbaijão, o grupo pretende dar continuidade a uma antiga luta: conquistar protagonismo nas discussões sobre o meio ambiente e extrair um financiamento adequado para a crise climática.
Para os indígenas brasileiros que viajaram até o evento não há futuro e proteção ao meio ambiente sem a participação efetiva deles.
“Nós, povos indígenas, somos a resposta para esta crise. Preservamos nossos territórios e lutamos contra os efeitos da crise climática e a destruição das nossas florestas”, disse à Folha Avanilson Karajá, tesoureiro da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), que representará a entidade na conferência.
Karajá destaca que o fim do uso dos combustíveis fósseis precisa ser uma prioridade dos países envolvidos nas negociações da COP29. Ele relata que, “apesar de o Azerbaijão ser um país petroleiro“, espera avanço em acordos para frear o aquecimento do planeta.
Na COP28, que ocorreu em 2023 nos Emirados Árabes Unidos, outro gigante no mercado de petróleo, os países assinaram um compromisso sobre a necessária transição energética. Mesmo que os avanços tenham sido considerados tímidos, o consenso sobre o tema prevaleceu.
“Na COP29, a Coiab reforça a urgência de uma transição energética que respeite os direitos dos povos indígenas e os nossos territórios. Não podemos permitir que os países continuem a explorar minérios, petróleo e gás ou que planejem fazer isso em terras indígenas como se essa fosse uma solução para a economia”, frisou.
Na conferência da biodiversidade, a COP16, que se encerrou no começo do mês em Cali (Colômbia), a Coiab integrou uma das nove organizações indígenas de países da amazônia que anunciaram a criação do G9, o grupo de coalizão para pressionar governos a proteger a floresta.
Karajá tem a missão de levar à COP29 uma das propostas iniciais do G9: o pedido de co-presidência indígena na COP30, que será realizada em Belém em 2025. Para isso, a Coiab articula também uma aliança com povos indígenas da Austrália e de ilhas do Pacífico com o intuito de fortalecer a ideia.
“Estamos articulando uma rede de apoio com povos indígenas do G9, formando uma coalizão com autoridades dos nove países da Bacia Amazônica, com o objetivo de garantir que os direitos territoriais sejam reconhecidos como uma prioridade nas políticas climáticas”, disse.
O movimento indígena deve defender também a demarcação de terras como medida de proteção dos biomas brasileiros.
Na COP16 da biodiversidade, a ativista Txai Surui, colunista da Folha, foi impedida por seguranças da ONU (Organização das Nações Unidas) de se manifestar contra a tese do marco temporal. Decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) vetou os direitos de indígenas a territórios no Brasil ocupados ou reivindicados depois 1988. Suruj afirmou que chegou a ser ferida durante o cerco.
Após o ocorrido, a ministra Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima) intermediou a situação e demonstrou preocupação com o protocolo de segurança da ONU. Em especial, porque na COP30, a conferência do clima em Belém, “vai ter centenas de milhares de populações indígenas e de outros movimentos fazendo manifestações”.
Pelas regras da ONU, é necessária autorização para realizar protestos durante os seus eventos, que não podem ter questões nacionais como temas.
Representante da rede de jovens EngajaMundo na COP29, o ativista indígena Samuel Arara, 23, enfatiza que a juventude latino-americana precisa ter suas sugestões e demandas locais ouvidas pelos líderes mundiais. Ele ressalta que as definições de agora mudam o futuro, que pertence aos jovens e às crianças.
“Não podemos permitir que nossas vozes sejam silenciadas por interesses econômicos, que tratam a amazônia como um recurso a ser explorado e não como um ecossistema a ser preservado”, disse.
“A crise climática está queimando nossa casa, nosso território”, acrescentou. “É importante a juventude estar nesses espaços de tomada de decisões. A conferência de clima e todo esse processo de negociação de financiamento climático definem o futuro do planeta, o que fazem com a floresta, com os povos da floresta, e com a nossa biodiversidade”, completou Arara.
O MPI (Ministério dos Povos Indígenas) participa da COP29 como articulador do governo brasileiro na pauta indigenista, em parceria com a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e o MMA (Ministério de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas).
Em nota à Folha, a ministra Sônia Guajajara, do MPI, lamentou a falta de compromissos dos países mais desenvolvidos diante da crise climática.
“Pela experiência da COP16 da biodiversidade, sabemos que os países centrais estão reticentes em assumir seus compromissos com o financiamento ambiental global. Mas nosso país vai sempre com boas perspectivas de avanço nesta área, por meio do diálogo”, disse.
Guajajara destacou a parceria entre Emirados Árabes, Azerbaijão e Brasil na chamada troica. Criada em Dubai no ano passado, o grupo é composto pelos presidentes da última COP, da atual e a de 2025. Seu propósito é trabalhar em conjunto para assegurar a continuidade das conferências e incentivar metas climáticas mais ambiciosas.
Para a ministra, a 29º edição do evento precisa ser um sucesso, especialmente no tópico do financiamento climático, e preparar melhores discussões em Belém.
“O Brasil pretende realizar a melhor e maior participação indígena da história das negociações ambientais e avançar no debate de uma credencial especial indígena para a COP30. Sabemos que é um processo difícil, mas esperamos que Belém nos ajude a trazer esse legado. As tratativas para isso começam agora na COP29.”
O projeto Excluídos do Clima é uma parceria com a Fundação Ford.