Um alto funcionário da conferência sobre mudanças climáticas COP29 no Azerbaijão parece ter usado seu cargo para organizar uma reunião para discutir potenciais acordos de combustíveis fósseis.
Uma gravação de câmera escondida mostra o diretor executivo da COP29 do Azerbaijão, Elnur Soltanov, discutindo “oportunidades de investimento” na empresa estatal de petróleo e gás com um homem que se passa por um potencial investidor.
“Temos muitos campos de gás que devem ser explorados”, ele diz.
Uma ex-chefe do órgão da ONU responsável pelas negociações climáticas disse à BBC que as ações de Soltanov eram “completamente inaceitáveis” e uma “traição” ao processo da COP.
‘Novos campos de exploração de gás natural’
Além de ser o diretor executivo da COP29, Soltanov também é vice-ministro de energia do Azerbaijão e está no board da estatal de petróleo do país, a Socar.
A BBC News entrou em contato com a equipe da COP29 do Azerbaijão, mas não recebeu resposta.
O petróleo e o gás respondem por cerca de metade da economia total do Azerbaijão e mais de 90% de suas exportações, de acordo com números dos EUA.
A COP29 será aberta em Baku na segunda-feira (11) e é a 29ª cúpula climática anual da ONU, onde os governos discutem como limitar e se preparar para as mudanças climáticas e como aumentar a ambição global para enfrentar o problema.
No entanto, este é o segundo ano consecutivo que a BBC revela indícios de irregularidades pelo governo anfitrião.
A BBC recebeu documentos e gravações secretas de vídeo feitas pela organização de direitos humanos Global Witness.
Sabe-se que um de seus representantes abordou a equipe da COP29 se passando por chefe de uma empresa de investimentos fictícia de Hong Kong especializada em energia.
Ele disse que esta empresa estava interessada em patrocinar a cúpula da COP29, mas queria discutir oportunidades de investimento na empresa estatal de energia do Azerbaijão, Socar, em troca. Uma reunião online com Soltanov foi organizada.
Durante a reunião, Soltanov disse que o objetivo da conferência era “resolver a crise climática” e “fazer a transição dos hidrocarbonetos de forma justa, ordenada e equitativa”.
Qualquer um, ele disse, incluindo empresas de petróleo e gás, “poderia vir com soluções” porque as “portas estão abertas” do Azerbaijão.
No entanto, ele disse que estava aberto a discussões sobre acordos também —incluindo petróleo e gás.
Inicialmente, Soltanov sugeriu que o potencial patrocinador poderia estar interessado em investir em alguns dos “projetos de transição verde” em que a Socar estava envolvida —mas depois falou sobre oportunidades relacionadas aos planos do Azerbaijão de aumentar a produção de gás, incluindo nova infraestrutura de gasodutos.
“Há muitas joint ventures que poderiam ser estabelecidas”, diz Soltanov na gravação. “A Socar está negociando petróleo e gás em todo o mundo, incluindo na Ásia.”
Soltanov então descreveu o gás natural como um “combustível de transição”.
“Teremos uma certa quantidade de petróleo e gás natural sendo produzidos, talvez para sempre”, disse ele.
O órgão de ciência climática da ONU, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), reconhece que haverá um papel para algum petróleo e gás natural até 2050 e além.
No entanto, ficou muito claro que “desenvolver novos campos de petróleo e gás natural é incompatível com limitar o aquecimento a 1,5°C”.
Também vai contra o acordo que o mundo fez na última cúpula climática global para a transição dos combustíveis fósseis.
Soltanov pareceu ansioso para ajudar a dar início às discussões, dizendo ao potencial patrocinador que “ficaria feliz em criar um contato entre sua equipe e a equipe deles [Socar] para que possam iniciar as discussões”.
Algumas semanas depois, a falsa empresa de investimentos de Hong Kong recebeu um e-mail —a Socar queria acompanhar a situação.
Tentar fazer negócios como parte do processo da COP parece ser uma violação grave dos padrões de conduta esperados de um funcionário da cúpula.
Esses eventos devem ser sobre reduzir o uso mundial de combustíveis fósseis —o principal impulsionador das mudanças climáticas—, não vender mais.
Os padrões são definidos pelo órgão da ONU responsável pelas negociações climáticas, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês).
A ONU disse que não poderia comentar diretamente sobre nossas descobertas, mas observou que “os mesmos padrões rigorosos” são aplicados a quem quer que seja o anfitrião da conferência, e que esses padrões refletem “a importância da imparcialidade por parte de todos os oficiais presidentes”.
Seu código de conduta para oficiais da COP afirma que eles “devem agir sem parcialidade, preconceito, favoritismo, capricho, interesse próprio, preferência ou deferência, estritamente com base em julgamento sólido, independente e justo”.
“Eles também devem garantir que opiniões e convicções pessoais não comprometam ou pareçam comprometer seu papel e funções como oficiais da UNFCCC.”
Christiana Figueres, que supervisionou a assinatura do acordo de Paris de 2015 para limitar o aumento da temperatura global a bem abaixo de 2°C, disse à BBC que ficou chocada que alguém no processo da COP usaria sua posição para fechar acordos de petróleo e gás.
Ela disse que tal comportamento era “contrário e flagrante” ao propósito da COP e “uma traição” ao processo.
A BBC também viu e-mails entre a equipe da COP29 e os investidores falsos.
Em uma troca de mensagens, a equipe discute um acordo de patrocínio de US$ 600 milhões com uma empresa falsa em troca da introdução e envolvimento da Socar em um evento sobre “investimento sustentável em petróleo e gás” durante a COP29.
Autoridades ofereceram cinco passes com acesso total à cúpula e redigiram um contrato que inicialmente exigia que a empresa assumisse alguns compromissos com a sustentabilidade. Então, ela recuou – aí um dos requisitos de sustentabilidade foi descartado e outro foi modificado.
A BBC pediu comentários à equipe da COP29 do Azerbaijão e à Socar. Nenhum deles respondeu às solicitações.
As descobertas vêm um ano após a BBC obter documentos vazados que revelaram planos dos Emirados Árabes Unidos de usar seu papel como anfitrião da COP28 para fechar acordos de petróleo e gás.
A COP28 foi a primeira vez que se chegou a um acordo sobre a necessidade de transição energética para longe uma produção limpa, sem combustíveis fósseis.
Esta reportagem foi publicada originalmente aqui.