A ONU (Organização das Nações Unidas) sofre críticas de líderes mundiais, sobretudo negros, que pedem maior espaço aos afrodescendentes, inclusive pelo reconhecimento destes enquanto povo.
Nesta segunda-feira (28), a vice-presidente da Colômbia reclamou que a organização e seus membros apenas entendem os descendentes de pessoas africanas como indivíduos, não como grupo.
“Há uma dívida histórica com o reconhecimento dos povos afrodescendentes”, disse, ao ser questionada pela Folha.
“Tem sido um debate duro com os países para explicar do que estamos falando. Para mim, tem sido um pouco frustrante, por assim dizer, porque o fato de nós dizermos que somos um povo afrodescendente, por autodeterminação, já deveria ser suficiente para entenderem”, disse.
A fala ocorreu no lançamento do Centro de Inovação Baobab —organização voltada a estudos e promoção da justiça étnico-racial com foco em gênero e meio ambiente, que tem apoio da Fundação Ford.
Márquez é um dos nomes que lideram o pleito pelo reconhecimento das comunidades afrodescendentes, como quilombolas, para a preservação da biodiversidade no planeta.
Como mostrou a Folha, o primeiro rascunho da conferência de biodiversidade COP16, da ONU, traz de forma inédita essa menção de forma explícita.
Em linhas gerais, o documento aponta que os países devem promover e incentivar o reconhecimento do papel das comunidades afrodescendentes na preservação da biodiversidade e na produção sustentável.
O rascunho diz que as nações devem “reconhecer a contribuição das comunidades e pessoas afrodescendentes, incorporando o estilo de vida tradicional das comunidades locais, o seu conhecimento e seus territórios” para o marco global da biodiversidade —que é o equivalente ao Acordo de Paris no mundo das discussões climáticas.
O documento também convida as partes a dar apoio financeiro a essas práticas.
Este pode ser um primeiro passo, diz Márquez, para um reconhecimento amplo dos afrodescendentes enquanto povo.
A vice-presidente colombiana tem entre suas bandeiras a defesa dos direitos negros e o reconhecimento das comunidades negras nacionais.
“Essa é uma tarefa que a nível global, nestes mecanismos multilaterais, está por ser feita. As Nações Unidas, em geral, não reconhecem a categoria de povos afrodescendentes. Fala apenas de pessoas com ascendência africana, como indivíduos. A nossa visão coletiva não é reconhecida pelas Nações Unidas”, disse.
A vice-presidente cita o fato de muitos países africanos se unirem em bloco nas votações da ONU como exemplo do que deveria ser feito por países da América do Sul na defesa de suas propostas.
Questionada se isso seria possível em um continente no qual há atualmente visões antagônicas —com líderes locais em aberta divergência, como Javier Milei na Argentina, Lula (PT) no Brasil e Nicolás Maduro na Venezuela—, ela prefere não responder.
Disse que as decisões de cada país dependem do seu próprio povo, mas defendeu que exista um esforço para convergência em alguns temas.
“É um pouco a mensagem, que também enviou Pepe Mujica [ex-presidente do Uruguai], a unidade em meio à diferença. Acredito que precisamos seguir nos esforçando para uma aposta de uma região que faça um apelo à justiça social, que faça um apelo para reduzir as brechas da desigualdade, um apelo pela justiça étnico-racial e por garantir o direito das mulheres”, disse.
O repórter viajou a convite da Fundação Ford, parceira no projeto Excluídos do Clima.