A USP (Universidade de São Paulo) inaugura oficialmente em janeiro do próximo ano uma usina que gera energia e fertilizantes a partir da decomposição de resíduos orgânicos dos restaurantes da Cidade Universitária, na capital paulista. Para o futuro, há planos de expansão e replicação comercial da iniciativa.
O projeto é desenvolvido desde 2018 no IEE (Instituto de Energia e Ambiente), com uma equipe de 12 estudantes, docentes e técnicos. A Usina de Produção de Bioenergia e Biofertilizantes com Resíduos Orgânicos começou a operar em 2021. Custou no total R$ 7,2 milhões e foi construída em oito meses.
Propondo uma sinergia entre os setores energético, agrícola e de saneamento, a usina produz energia elétrica e térmica, biocombustível e biofertilizantes em uma única planta industrial.
O objetivo é demonstrar a viabilidade técnica, ambiental e econômica do aproveitamento integral da fração orgânica dos RSU (resíduos sólidos urbanos), como materiais de origem animal ou vegetal descartados.
“Os aterros [sanitários] não aproveitam o potencial fertilizante [da decomposição dos resíduos orgânicos] e têm desperdício de biogás. A compostagem aproveita os fertilizantes, mas não a energia. Aqui, eu aproveito tudo e com mais eficiência”, afirma Ildo Sauer, coordenador do projeto e vice-diretor do IEE.
A usina tem quatro unidades modulares. Cada uma é responsável por diferentes etapas do processo, da trituração e decomposição dos resíduos à geração de energia elétrica, biometano e biofertilizantes. A replicação comercial da usina ainda depende da gestão integrada dos setores energético, agrícola e de saneamento, o que implica mudanças em marcos regulatórios federais, estaduais e municipais.
“Por exemplo: sem separação adequada dos resíduos orgânicos, não funciona. Isso depende de política e de educação ambiental”, explica Sauer.
Por isso, as próximas etapas do projeto devem se voltar a propostas de alterações regulatórias e a modelos de replicação comercial.
Em pleno funcionamento, a usina pode processar 43,5 toneladas de resíduos orgânicos diariamente. Além de biogás, a decomposição produz digestato, um líquido escuro com propriedades fertilizantes.
As primeiras pesquisas para aprimoramento do digestato foram feitas em uma horta no IEE, e um sistema de hidroponia está em construção para estudos sobre o uso nessa forma de cultivo. A Apta (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, está testando o composto no cultivo de cana-de-açúcar.
Já o biogás pode ser usado de duas maneiras. Hoje, a produção alimenta um gerador à combustão que abastece a universidade com energia elétrica. Quando a geração é maior que a demanda da USP, o projeto injeta energia no Sistema Interligado Nacional (SIN). A usina pode gerar até 7.200 kWh/dia, suficientes para abastecer 1.200 residências, pela média do consumo em São Paulo em setembro.
A outra possibilidade de uso depende de uma refinaria, em fase de conclusão, que abastecerá veículos movidos a GNV em estação instalada na USP.
Priscila Camiloti, docente do IEE e integrante do projeto, explica que a usina emite 99,8% menos gases do efeito estufa que um aterro. Cada tonelada de resíduos orgânicos em um aterro libera 621,4 kg de CO2 equivalente, ante 1,47 kg na usina da USP.
Segundo o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, cada brasileiro gerou em média 1,04 kg de RSU por dia, somando 77 milhões de toneladas em 2022.
O Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares) prevê que 13,5% dos resíduos orgânicos sejam recuperados até 2040, com aproveitamento de 60% do biogás gerado em aterros e em usinas de digestão anaeróbia.