Insatisfeitos com a decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre as emendas parlamentares, líderes da Câmara e do Senado podem dificultar a agenda de votações do governo nessa reta final do ano. A irritação acontece entre os integrantes do MDB, PSD e União Brasil, partidos da base governista, o que acendeu um alerta para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O pagamento das emendas estava suspenso desde agosto por determinação do próprio Flávio Dino, que exigiu regras mais transparentes no uso do dinheiro que os parlamentares enviam para seus redutos eleitorais. Para atender ao ministro do STF, o Legislativo aprovou um projeto de lei, que posteriormente foi sancionado sem vetos por Lula.
Nesta segunda-feira (2), o magistrado liberou os recursos, mas impôs novas regras que não estavam contempladas no projeto de lei. A interferência por parte de Flávio Dino irritou os aliados do Palácio do Planalto, que agora ameaçam, por exemplo, não votar o pacote fiscal apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e os projetos do Orçamento de 2025.
“Vamos tentar dissecar essas diferenças da decisão do ministro Flávio Dino em relação ao que foi aprovado no projeto de lei. Com isso, acho que acalma o Parlamento e vamos ter regras mais cristalinas para serem aplicadas a partir de 2025 com o orçamento novo. O importante é manter a harmonia e independência entre os poderes”, disse o senador Ângelo Coronel (PSD-BA), relator do Orçamento de 2025.
A irritação dos deputados foi levada ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), durante reunião de líderes nesta terça-feira (3) para definição da pauta da semana no plenário da Casa. Lira tem sinalizado ao governo que pretende votar ainda neste ano o pacote de gastos de Haddad e indicou aos seus pares que advocacia do Congresso já estava trabalhando sobre as possibilidades de recursos acerca da decisão de Dino.
Governo quer liberar quase R$ 8 bilhões em emendas para amenizar crise
Informado do descontentamento por parte dos deputados da base aliada, Lula determinou que os líderes do governo atuem diretamente no Congresso para tentar reduzir os impactos da decisão do ministro Flávio Dino. O objetivo do Palácio do Planalto é que a queda de braço dos parlamentares com o Judiciário não impacte a votação dos projetos de interesse do Executivo.
A estratégia foi desenhada pelo petista junto ao ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, em uma reunião de emergência no Palácio do Planalto com os líderes governistas.
“Teve um incômodo [em relação à decisão do Dino], mas o governo tem uma posição em relação a esse tema. A posição do governo é defender no Supremo Tribunal Federal a lei complementar, que foi aprovada por esse Parlamento e sancionada sem vetos pelo presidente da República”, admitiu o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP).
“Houve um acordo, o presidente [Lula] fez, assinou o acordo. O acordo refletia esses acordados entre os Poderes todos, governo, a Casa e lá [o STF]. Na hora em que chegou lá [Supremo], ele consertou o mudado e botou mais uma mudança, que também não estava. Estamos nesse meio de caminho. Vai resolver, todo mundo tem juízo. Cada um fez o que lhe é de direito, mas o acordo obriga todo mundo a sentar e chegar lá”, disse o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).
O recado de Dino aos líderes do Congresso
Na decisão que liberou os recursos, Dino diz que os líderes não têm o monopólio das indicações das emendas de comissão. Segundo o ministro, outros parlamentares também têm o direito de sugerir o uso desses recursos.
Diversos líderes partidários criticaram esse trecho do despacho do ministro e defenderam o poder que eles tinham, até agora, na definição e na distribuição desses recursos. Pela decisão, as verbas das emendas de comissão e dos restos a pagar das antigas emendas de relator, chamado orçamento secreto, só podem ser executadas caso o parlamentar solicitante seja identificado nominalmente no Portal da Transparência.
O texto aprovado no Congresso não exige identificação nominal dos autores das emendas de comissão e de bancada, determinando apenas registro em ata da indicação do grupo. No caso das emendas de comissão, a lei só permite indicação por líderes partidários, mas o ministro do STF considerou que eles não têm um “monopólio” e estabeleceu que qualquer parlamentar pode fazer isso.
Para as chamadas de “emendas Pix”, Dino condicionou o pagamento à apresentação prévia de um plano de trabalho, contendo objeto e prazos para a obra que será contemplada pelos recursos. Esse detalhamento, segundo a decisão, terá de ser aprovado pelo governo federal. No caso das emendas desse tipo que já foram enviadas, foi estabelecido um prazo de 60 dias para apresentação das novas informações.
O ministro também restringiu o reajuste ao estabelecer um teto para o crescimento do valor das emendas. Para Dino, o limite precisa ocorrer porque “quaisquer regras, restrições ou impedimentos às programações orçamentárias discricionárias do Poder Executivo são aplicáveis ao conjunto das emendas parlamentares”.
Essa regra, no entanto, é temporária e vale apenas até que o STF analise uma ação de inconstitucionalidade apresentada pelo Psol, que pede para as emendas não serem mais impositivas, ou seja, de execução obrigatória.
Principal candidato na disputa pela sucessão de Lira no comando do Câmara, o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) cobrou que Dino cumpra o acordo e alegou que o Congresso não deve negociar prerrogativas com o STF.
“A questão das emendas deriva de um acordo entre os Poderes. O Parlamento quer o orçamento destravado, já que votou uma lei com base neste acordo representado pelos três Poderes. Esperamos que o Judiciário destrave nosso orçamento”, disse Motta.
“Com relação às prerrogativas, o Congresso não negocia esta questão. Este é um ponto claro, que não abriremos mão para negociar estes termos. O Legislativo deve ser respeitado pelo seu tamanho e será assim que conduziremos a Casa, caso eleitos”, completou o deputado.