Sempre que leio sobre penas alternativas à prisão, tipo doações de cestas básicas ou trabalhos comunitários, me vêm à cabeça outras opções. Gostaria de poder afirmar que são ideias bem-intencionadas, cujo único e nobre objetivo é aliviar o sistema prisional brasileiro. Não. São ideias cruéis, crudelíssimas, que se destinam primordialmente ao íntimo, silencioso, e, quem sabe, saudável exercício de desejar mal ao próximo.
Por exemplo: um desses deputados que defendem o orçamento secreto para poder desviar dinheiro na cara dura é flagrado, oh, roubando. Eu o condenaria a ir à praia, todo dia, pela manhã. Entrar no mar. Sair do mar. Rolar na areia. Vestir terno e gravata e passar o dia indo e voltando na mesma linha de ônibus, durante todo o mês de dezembro. (A sunga molhada lixando com areia a virilha, por baixo do terno).
Às vezes, na elaboração das minhas sentenças imaginárias, tenho poderes mágicos. Eu seria capaz, diante de um crime gravíssimo, de condenar alguém a ficar vivendo por um ano na última semana de dezembro.
Nesta semana eterna ele seria o administrador do grupo de Réveillon, o responsável pela ceia de Natal da família e pelas compras da viagem do fim de ano. As compras seriam para 20 adultos e 11 crianças. Teriam que ser feitas necessariamente no dia 30 de dezembro, num atacadão na Raposo Tavares. O criminoso, evidentemente, não iria à ceia de Natal, nem à viagem de Ano-Novo. Quando desse 23:59 do dia 31 de dezembro, ele acordaria no dia 23 de dezembro, num carro, parado na fila do estacionamento do Shopping Eldorado.
Já pensei em condenar este mesmo criminoso (não sei o que ele fez, mas a julgar por minha ânsia punitiva, foi algo terrível) a ser Papai Noel durante todo o mês de dezembro no Graal de Aparecida do Norte, na Dutra, mas achei temerário deixar um delinquente de tamanha periculosidade com criancinhas no colo. Por isso o coloquei como duende responsável por distribuir as comandas.
Em casos de assédio moral ou sexual, eu condenaria a pessoa a outra praga dezembrina: o happy hour de fim de ano da firma. Ou melhor, o happy hour sem fim de ano da firma. Um happy hour eterno, todo mundo ficando cada vez mais bêbado e falando cada vez mais alto e lançando cada vez mais perdigotos. O assediador, claro, estaria tomando Brahma Zero e enquanto todos comessem provolone à milanesa, a ele seriam servidos biscoitos de arroz, light. (Uma vez, numa padaria, meu filho tava comendo esses biscoitos de arroz, devia ter uns quatro anos, uma sábia senhora me segurou pelos ombros: “O que que esse menino fez de tão grave para merecer isso?”. Eu ri, ela riu e 20 segundos depois as inocentes papilas gustativas do meu filho eram apresentadas aos poderes radioativos do Cebolitos).
Por último, mas não menos repugnante: os crimes mais graves começariam naquele esquema do croquete na praia, mas em vez de ficar passeando de ônibus o delinquente pegaria a Imigrantes sentido litoral, dia 26 de dezembro, dez da manhã, sem ar-condicionado. Ainda na marginal, o filho vomitaria. A viagem levaria meses –e aqui não se trata de feitiço, mas simplesmente da realidade para todos aqueles que se aventuram, dia 26 de dezembro, dez da manhã, neste êxodo coletivo do centro do inferno à beira do Atlântico.
Chegando à praia só choveria, faltariam cartas no baralho, o War teria ido sem tabuleiro, daí o sacripanta mergulharia no mar, rolaria na areia, vestiria uma calça de veludo, uma malha de lã, entraria no carro e daria início à volta, junto aos 3,5 milhões de inocentes que devem viajar neste fim de ano para fora da cidade de São Paulo –e tentar voltar depois.
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