O projeto de exploração de petróleo na Foz do Amazonas viola o direito à consulta livre, prévia e informada a comunidades tradicionais, segundo organizações de direitos humanos. Este protocolo consta na Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre Povos Indígenas e Tribais —da qual o Brasil é signatário.
O acordo internacional obriga governos a reconhecer e proteger valores e práticas sociais, culturais e espirituais das comunidades. O objetivo é garantir autonomia dos grupos sobre seus territórios em relação a projetos das iniciativas pública e privada. A falta da consulta pode resultar em embargos.
A primeira negativa do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, em 2023, foi celebrada pela Apoianp (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará) e pelo CCPIO (Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque). As entidades afirmam que não teve consulta na região até hoje.
Entretanto, a pressão para a liberação da licença tem ganhado mais força política nos últimos meses —e o governo acredita na possível aprovação, mesmo com recomendação contrária de técnicos do Ibama.
O presidente Lula (PT), em visita neste mês ao Amapá, voltou a defender o processo de licenciamento ambiental do bloco FZA-M-59, próximo de Oiapoque, que concentra cerca 80% da população indígena do estado. As comunidades, porém, recusam a atividade por ameaçar o meio ambiente e o modo de vida tradicional.
Entidades indígenas e quilombolas e ONGs ambientalistas criticaram, em nota conjunta, o posicionamento do governo de não considerar os riscos ambientais e climáticos, “perpetuando a exploração e a utilização dos combustíveis fósseis, a maior causa do aquecimento global.”
Luene Karipuna, coordenadora-executiva da Apoianp, disse no comunicado que “é contraditório, nesse processo, não garantir o direito dos povos indígenas à consulta prévia e ao diálogo direto”. Ela ressaltou, ainda, a preocupação da base de apoio a possíveis desastres, da Petrobras, não estar localizada no Amapá, e sim no Pará.
Em nota, a Petrobras disse que implementou um processo de comunicação com comunidades tradicionais da bacia sedimentar da Foz do Amazonas, realizando 67 reuniões e 3 audiências públicas em 22 municípios do Amapá e do Pará, incluindo Oiapoque e Belém.
A perfuração do poço no Bloco FZA-M-59, segundo o comunicado, teria duração de 5 meses, na qual busca verificar a presença de petróleo a 175 km da costa do Amapá. A consulta prévia às comunidades tradicionais, conforme a Portaria Interministerial 60/2015, não se aplicaria neste caso, pois a perfuração está a mais de 500 km da Foz, diz a estatal.
As violações do direito à consulta vão além, afirma Liana Amin Lima, coordenadora do Observatório de Protocolos Autônomos Comunitários. Ela relata que, ao longo dos anos, os governos tentaram interferir nas condições da Convenção 169, sendo na maioria das vezes sob a pressão de grandes empreendimentos.
Lima destaca, como exemplos, as instalações da usina hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (PA), e a Base Espacial em Alcântara (MA), que levou o Brasil a ser julgado pela 1ª vez na Corte Interamericana de Direitos Humanos, acusado de violar direitos de quilombolas.
“O Brasil foi sendo denunciado nos informes periódicos da OIT por violação à consulta prévia. Na primeira década de vigência da Convenção 169, teve vários casos emblemáticos de megaprojetos na amazônia”, frisou.
Lima diz ver que as tentativas de regulamentação da consulta no Brasil buscaram restringir ou deturpar o protocolo, que deve respeitar as especificidades culturais de cada povo. Segundo ela, a consulta é obrigatória a todos os atos administrativos ou legislativos do Estado em relação a povos tradicionais, e essa competência não pode ser transferida para empresas.
Nesse sentido, Lima cita o caso do decreto estadual de Minas Gerais n° 48.893, do ano passado, que em sua visão tenta inviabilizar a aplicação de direitos reconhecidos em âmbito internacional com status supralegal no ordenamento brasileiro.
“O decreto do governo Zema representa violações, que admite a realização da consulta pelo próprio empreendedor”, frisou.
O governo de Minas informou, em nota, que esse decreto não desobrigaria a realização da consulta, e teria como objetivo “estabelecer critérios claros e simplificados para a execução de atividades que promovam o desenvolvimento sustentável.”
Em janeiro, o STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu os efeitos do decreto criado pela gestão de Romeu Zema (Novo). Conforme decisão do ministro Flávio Dino, a norma estadual tratou de pontos cuja competência é exclusiva da União.
No Pará, os povos originários questionam a falta de diálogo do governo de Helder Barbalho (MDB) sobre instalações, como a construção da Ferrogrão —projeto de ferrovia para ligar o Mato Grosso ao Pará— que e o projeto de crédito de carbono.
A líder indígena Alessandra Korap Munduruku afirma que o governo já negocia o projeto de crédito de carbono para investidores estrangeiros, mesmo sem a consulta.
“Como o governo fala sobre crédito de carbono sem nos ouvir? Nosso povo tem que entender o projeto, qual mercadoria que eles estão oferecendo conosco dentro, sem nos consultar, sem perguntar se nós queremos ou se vai nos afetar”, disse.
“Não adianta querer negociar a floresta e dizer que protege o meio ambiente se é a favor do petróleo, da mineração e da Ferrogrão. É um discurso bonito para estrangeiro. A solução é a floresta em pé, os rios limpos e o respeito ao direito aos povos indígenas”, acrescentou.
Korap relata que os povos indígenas sofrem com o desmatamento, as queimadas, os conflitos territoriais, a seca dos rios, entre outros problemas. “O governador vai vender o quê? Floresta em cinzas? Rios secos? Peixes mortos? O povo respira fumaça.”
Por sua vez, a gestão de Barbalho disse à Folha que ampliou suas estratégias para combater o desmatamento, o que resultou em queda nos índices —apesar do aumento das queimadas.
O secretário de meio ambiente do Pará, Raul Protazio Romão, disse que a consulta do crédito de carbono ocorre em três etapas: a de capacitação de equipe indígena sobre questões técnicas do projeto (a qual estaria em andamento), a de apresentação do projeto pela equipe e a da consulta.
“Para as consultas, vamos usar os protocolos próprios das comunidades. As que não têm, faremos a metodologia em conjunto com as entidades indígenas, quilombolas e extrativistas”, frisou Romão.
O Pará sediará em novembro a COP30, a conferência sobre mudanças climáticas da ONU (Organização das Nações Unidas). Os povos indígenas exigem a copresidência do evento, para garantir direitos ambientais, em meio à pressão pela exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Tradicionalmente, as cúpulas do clima têm apenas uma pessoa à frente da gestão.
O governo federal afirma a escolha da região como sede da conferência não é apenas simbólica, mas estratégica, pois proporciona um espaço onde indígenas podem dialogar diretamente com governos, organizações internacionais e a sociedade civil, contribuindo para decisões mais inclusivas e representativas.
Ainda neste mês, a gestão de Lula divulgou o início do processo de escuta com representantes de povos e comunidades tradicionais como parte da elaboração da agenda da COP30.
O projeto Excluídos do Clima é uma parceria com a Fundação Ford.