Na pequena feira de artesanato da Comunidade Indígena Três Unidos, a pouco mais de uma hora de barco a partir de Manaus (AM) pelo rio Negro, o Pix é a principal forma de pagamento. Conseguir sinal de internet, no entanto, é um desafio.
Muitos turistas precisam buscar o wifi a poucos metros, na construção que abriga uma escola municipal. Lá, pouco mais de cem alunos, de todas as idades, parte deles vindos de comunidades próximas, contam com o sinal via satélite da Starlink.
Longe das questões políticas envolvendo o dono da empresa, Elon Musk, os moradores destacam o barateamento e a melhora do serviço. O preço da antena caiu de R$ 10 mil para R$ 2.000. A mensalidade, de R$ 2.000 para R$ 120. O dinheiro vem de parcerias com empresas e instituições —a Starlink não dá nada de graça.
A escola local oferece cursos no ensino fundamental e médio, além de formação universitária por educação à distância e cursos técnicos. Nem sempre é possível contar com um professor presencialmente, mas há equipamento para garantir vídeo aulas.
A vila de cerca de 150 habitantes da etnia Kambeba ainda depende de gerador a diesel para fornecimento de energia, pois há apenas um painel solar, usado para garantir justamente o acesso à internet.
A ampliação do uso da energia limpa é uma meta no local. Uma parceria com a empresa do Polo Industrial de Manaus Schneider Electric deve transformar a escola em um centro de formação de jovens empreendedores para construir sistemas de energia solar, por meio de curso técnico.
As parcerias também garantiram energia limpa em outras vilas locais. Do outro lado do rio Negro, nas comunidades de Tumbira e Santa Helena do Inglês, um sistema mais desenvolvido de paineis, financiado por uma empresa da Zona Franca via incentivo fiscal, permitiu construir uma fábrica de gelo fotovoltaica, utilizada, por exemplo, para armazenamento de peixes, aumentando a renda direta dos pescadores locais.
Todos esses investimentos estão ligados a uma questão fundamental: permitir que as pessoas possam estudar e trabalhar sem deixar suas comunidades. São também atividades ligadas às vocações e necessidade locais, como os cursos turismo, gastronomia, pedagogia e contabilidade para empreendedores, ministrados pelos próprios moradores ou por instituições e universidades locais.
As parcerias com a FAS (Fundação Amazônia Sustentável), por exemplo, viabilizaram os acordos para implantação da escola municipal, da internet e da energia solar em Três Unidos e os projetos do outro lado do rio.
“Isso tudo é parceria que a gente faz para que o curso venha até aqui e o nosso jovem continue aqui”, afirma Raimundo Kambeba, dono da Pousada Canto dos Pássaros, que disputa o protagonismo com uma família de Japiim (Cacicus cela), também conhecidos como xexéu.
“Com a tecnologia e a internet, temos vários jovens que se formaram através do ensino à distância”, diz Raimundo, que tem uma filha formada e outra em formação no curso de pedagogia. Ele é também diretor da escola pública local e viaja para Manaus para ministrar o curso de licenciatura intercultural indígena na Ufam (Universidade Federal do Amazonas).
Os Kambeba são parte de uma etnia que chegou a ser considerada extinta, mas seus descendentes se reagruparam, recuperaram a língua, e a Funai reconheceu novamente sua existência.
Neurilene Kambeba, que está em Três Unidos desde sua fundação, há 33 anos, é dona do restaurante Sumimi. O local já teve dez funcionárias, mas cinco se tornaram professoras.
“Tivemos essa força de não ficar só dentro de casa trabalhando para os nossos filhos e maridos. Como mulher indígena, sou muito feliz por fazer parte desse empreendimento”, afirma Neurilene, em frente a uma mesa em que serve tambaqui assado e tacacá, entre outros pratos típicos da região amazônica.