De tempos em tempos, o biólogo Daniel Ardisson-Araújo vai a um lago ou a um centro de tratamento de esgoto para caçar vírus. Mas não quaisquer vírus: ele procura os tipos capazes de matar bactérias –os bacteriófagos, ou fagos. E também não quaisquer bactérias: as que ele busca matar são as que se encontram preferencialmente no intestino de determinados insetos.
A tarefa até que não é difícil, porque os fagos existem em abundância: os vírus estão presentes no planeta na ordem de 10 elevado a 31, ou seja, um número com 32 zeros. Muitos deles são fagos. Ao ir atrás desses microrganismos, o que o pesquisador almeja produzir no futuro é um coquetel de fagos que possa desequilibrar a intrincada rede de bactérias presente no intestino de percevejos, lagartas e moscas que causam prejuízos para o plantio de soja, milho, arroz, algodão e frutas.
Assim como os humanos dependem de bactérias, vírus e fungos que habitam seus corpos –o que chamamos de microbiota–, os insetos também precisam deles para sobreviver. “A microbiota influencia a imunidade, a nutrição e até aspectos do desenvolvimento do inseto”, explica o biólogo.
Eis que surge uma das perguntas fundamentais da pesquisa que ele lidera: “Se eu manipular e fizer uma mudança na população natural de bactérias desse inseto, ele poderá ficar doente?”. É possível. Por exemplo, se as bactérias do intestino, o grupo no qual ele tem mais interesse científico, sofrerem um desequilíbrio, o inseto pode sofrer para se alimentar corretamente.
Então, seu grupo formulou uma nova pergunta: “Se adoecer, o inseto poderá morrer ou mesmo ficar mais suscetível a outros métodos de controle já utilizados?”. Além da produção do coquetel, outro objetivo da pesquisa é reduzir os danos ao ambiente, ou seja, diminuir a quantidade de inseticida químico necessário na plantação se o inseto estiver enfraquecido ou em menor número.
No laboratório da Universidade de Brasília (UnB), onde Ardisson-Araújo atua, o trabalho ainda está em fase inicial. Sua equipe não só prospecta os fagos na natureza, como procura cultivar as bactérias dos insetos –apenas 1% do total de bactérias presente no meio ambiente sobrevive no ambiente controlado dentro da universidade.
Após isolar, identificar e tentar o cultivo da bactéria, o passo seguinte é avaliar in vitro como ela reage quando exposta a um fago. Até o momento, o grupo identificou quatro fagos capazes de matar 4 de 30 bactérias já identificadas.
Até que a pesquisa saia do laboratório para a vida real, estágio em que os fagos infectariam as pragas propositalmente nas plantações, falta um bocado. Por enquanto, Ardisson-Araújo vislumbra três contribuições à ciência.
Primeiro, a redução dos problemas que os agrotóxicos causam no ambiente, como a contaminação de lagos e rios. “A grande força motriz desse trabalho é a construção de uma agricultura sustentável”, diz ele.
Depois, a importância da pesquisa para a catalogação da biodiversidade, uma das paixões do biólogo. Como os fagos ainda são pouco estudados, será possível entender seus mecanismos evolutivos, como eles infectam as bactérias e, por outro lado, se estas conseguem driblar a infecção viral.
Por último, os fagos identificados poderiam ser usados para matar bactérias pan-resistentes em humanos –aquelas capazes de fugir da ação dos antibióticos disponíveis. Trata-se de um dos principais problemas de saúde pública, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), que representará ao Produto Interno Bruto (PIB) dos países cerca de US$ 1 a US$ 3,4 trilhões em perdas financeiras por ano até 2030.
“Muitas dessas bactérias presentes no intestino dos insetos podem também contaminar e ser patogênicas para humanos, e observamos que elas podem apresentar resistência a vários antibióticos”, observa o pesquisador. “Portanto, é uma visão de saúde unificada, integradora, unificando o olhar para o meio ambiente, insetos, microrganismos e também os seres humanos.”
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