Para salvaguardar a Amazônia e evitar uma catástrofe ambiental planetária, a ciência ocidental deve se abrir ao conhecimento indígena.
É isso que defende o artigo “Indigenizando as Ciências da Conservação para uma Amazônia Sustentável“, publicado nesta quinta-feira, 12, na revista Science. Fruto de dois anos de trabalho, ele resulta de um diálogo inédito entre cientistas indígenas amazonenses e cientistas não indígenas conectados à Universidade de Princeton (EUA) e à Universidade Federal de Santa Catarina: Carolina Levis, Justino Sarmento Rezende, João Paulo Lima Barreto, Silvio Sanches Barreto, Francy Baniwa, Clarinda Maria Ramos, Fábio Zuker, Ane Alencar, Miquéias Mugge, Rodrigo Simon de Moraes, Agustin Fuentes, Marina Hirota, Carlos Fausto e João Biehl.
No artigo, sustentamos que os saberes indígenas sejam reconhecidos em seus próprios termos, dispensando a validação das ciências da conservação. Ao se afastar da perspectiva colonialista que enquadra a natureza como intocada e desabitada e incluir nos processos de pesquisa e tomada de decisão líderes e especialistas indígenas, os esforços para conservar e restaurar ecossistemas podem ser mais holísticos e eficazes.
É bem verdade que cientistas de todo o mundo já começam a reconhecer que os sistemas de conhecimentos indígenas e ocidentais podem trabalhar em conjunto a fim de enfrentar a devastação do meio ambiente.
No entanto, a visão antropocêntrica e utilitarista da natureza ainda prevalece no mundo das ciências: ainda que as ações de conservação promovam o valor intrínseco da biodiversidade, elas não costumam levar em conta práticas pré-existentes e relações históricas entre humanos e outras espécies, como na concepção indígena da natureza.
Nosso grupo de trabalho identificou três princípios fundamentais para os povos indígenas do Alto Rio Negro que, em interação com as práticas ocidentais, podem levar a uma ciência nova e integrada: (a) o reconhecimento de que uma rede cosmopolítica envolve a relação entre humanos e outros participantes do ecossistema; (b) a compreensão de que existem práticas e processos para manter essa rede funcionando; (c) a percepção de que essas redes e suas atividades são cíclicas e seguem os ritmos da Terra e o movimento das constelações.
Na floresta, por exemplo, uma vez que os caminhos que os humanos percorrem são também percorridos por animais, pelo vento e pela água, certas restrições e prescrições devem ser seguidas para garantir uma boa relação entre todos os seres envolvidos. Para os povos do Alto Rio Negro, o mundo é um corpo formado por partes que se complementam e dão origem a novas vidas, sempre em transformação e movimento.
Assim, realizar um monitoramento colaborativo baseado no conhecimento indígena dos domínios aéreo, terrestre e aquático poderá ajudar a compreender tanto as dinâmicas mais amplas dos ambientes naturais quanto as específicas, além de identificar sinais de aviso que facilitem respostas adaptativas, evitando a interrupção do funcionamento sustentável dos ecossistemas.
Além disso, ao fomentar parcerias entre especialistas indígenas, pesquisadores e instituições governamentais e não governamentais, será possível fortalecer órgãos de tomada de decisão para governar e cogerir de forma mais eficaz uma determinada área.
Se conseguirmos pôr as pesquisas feitas nos moldes da ciência ocidental em diálogo com as teorias e práticas dos povos indígenas, essa troca mútua entre especialistas indígenas, pesquisadores, governos e organizações não governamentais nos dará um conjunto de ferramentas mais amplo e eficaz de práticas e políticas que irão garantir uma cogestão verdadeiramente sustentável.
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Justino Sarmento Rezende é acadêmico indígena do povo Utãpinopona-Tuyuka, doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Amazonas.
João Biehl é professor titular Susan Dod Brown, chefe do Departamento de Antropologia e diretor do Brazil LAB na Universidade de Princeton (EUA).
Rodrigo Simon de Moraes é pesquisador pós-doutorando no Brazil LAB/High Meadows Environmental Institute na Universidade de Princeton (EUA).
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