Uma vizinha querida sempre me dizia sobre ser mãe: “quando entra na universidade, o filho é do fulano. Se comete algum erro, todos comentam sobre o filho da fulana”. Ser mãe de um ser humano com TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade) é ser julgada para sempre.
As crianças acometidas pelo transtorno são, em geral, mais desatentas ou agitadas, não conseguem cumprir regras com tanta facilidade nem se controlar diante de algo que achem muito interessante. E esse “interessante” pode ser o vaso de cerâmica trazido da África pela família de sua melhor amiga que, em segundos, se espatifa no chão.
A desculpa para te julgar é sempre ligada ao bem-estar do seu rebento. Alguém vai até a mãe e chama a atenção para que “corrija e dê educação” àquela criança que, ou não para quieta, ou não prestou atenção nas orientações que estavam sendo dadas, ou quebrou algo, ou cutucou um colega, ou não deu bom dia, ou não quis sair do escorregador, ou não quis dividir sua comida com o amiguinho.
São todas situações reais que podem ser vividas por qualquer criança, mas no TDAH, elas são mais frequentes e espontâneas e, por mais que você ensine, converse, use do pulso firme ou da educação positiva, nada muda. Mas ninguém entende isso. Nem mesmo outras mães. Nem a sua mãe, nem a sogra.
Fui taxada por muitos anos como a mãe da criança desobediente, preguiçosa e que não quer seguir regras. Ainda sou a mãe da menina que “não tem jeito”.
Ainda sou vista e julgada como alguém que não sabe criar filhos, mesmo após o diagnóstico do TDAH, mesmo após eu explicar para todos como funciona, mesmo após eu tentar todas as táticas do universo para que o convívio em sociedade não seja algo que magoe minha filha.
Quando eu entendi meu real papel como mãe de uma criança com o transtorno, afastei-me dos ambientes e pessoas onde minha filha era suportada, mas não bem-vinda. Foquei nos locais onde ela podia ser livre. Falar, brincar e mexer sem julgamentos.
Mas foi difícil. Mesmo em locais em que “crianças são bem-vindas”, a cobranças existem. Não se pode rir alto no teatro, nem subir ao palco, nem se remexer na cadeira do cinema. Não se pode esboçar felicidade ao ver uma linda obra de arte numa exposição nem levantar antes da hora em uma atividade lúdica que seria para diversão.
Não se pode sair do padrão predeterminado nem do script que a sociedade do espetáculo e da imagem criou para colocar as crianças. O resultado é que, se a solidão da mãe de filhos neurotípicos é grande, imagina no caso da mulher que tem um filho fora dos padrões especificados.
O TDAH é um transtorno que acomete boa parte da população mundial. Trata-se de uma falta de regulação de dois hormônios: dopamina e noradrenalina, em um funcionamento diferente do córtex pré-frontal do cérebro.
Escrevi tudo isso sem buscar no Google. Sei de cor. Foram inúmeras as entrevistas, as leituras, as consultas médicas e a busca por informação. Ainda são. Estudei e estudo cada passo do cérebro da minha filha para entendê-la melhor. Nem sempre acerto, mas sigo tentando.
Eu desconfiei do TDAH da minha pequena geniazinha comunicativa e agitada por volta dos cinco anos, quando os problemas na alfabetização surgiram. Fui ignorada por professores e demais “profissionais” da educação. Desde então, passei a buscar ajuda. Li diversos livros, reportagens e artigos científicos.
Passei em pediatras, neuropediatras, psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais e várias outras especialidades médicas até chegarmos ao diagnóstico.
E, ainda hoje, recebo questionamentos de profissionais de todas as áreas que colocam em dúvida o TDAH dela. Qual o diagnóstico que buscam e que compram para si? Falta de educação que não foi dada pela mãe. Sempre. O pai nunca é mencionado.
Esse julgamento vem em palavras, olhares e atitudes. Eu medico minha filha desde os oito anos, em uma decisão difícil, mas tomada após tratamento com os melhores especialistas brasileiros para TDAH que me atenderam pelo SUS em parceria com a Unifesp, além de médicos particulares.
Dediquei, dedico e dedicarei anos a dar o melhor a ela. Sou julgada também —e ainda mais— por dar a medicação. Não me importo, foi a forma de garantir qualidade de vida à minha filha.
Neste mês de outubro, de conscientização do TDAH, mais do que ter um diagnóstico e tratamento correto, o que pessoas com o transtorno e suas famílias merecem é inclusão e respeito.
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