“Saia mais e pronto!” é a resposta simplista que o mundo oferece. A própria leitora que me escreve relata o cansaço diante desses conselhos que soam mais como empurrões: “Quem não é visto não é lembrado”, “Cobra que não anda não engole sapo”, disseram sua mãe e até seu terapeuta. Como se fosse simples. O que só amplia o medo, a frustração e o cansaço de quem, como ela, sabe que pra si não é.
Há quem diga que o amor é para os corajosos. Mas ser corajoso não é sinônimo de não ter medo ou de se mostrar pro mundo de forma exuberante e autêntica (odeio a forma como desgastamos essa palavra, tornando-a quase sinônimo de excentricidade e exibicionismo). Vivemos em uma era que celebra o expansivo, o extrovertido. E, nesse cenário, parece que os tímidos não têm vez. Como se o amor tivesse virado um desfile de personas e estivéssemos todos em um palco de “Solteiros Got Talent”, competindo por uma vaga no coração alheio com apenas 90 minutos (ou dois drinks) para brilhar. “Quanto vale o show?”, já perguntaria Silvio Santos. É preciso entreter, surpreender, emocionar e seduzir —tudo de uma vez e, de preferência, com timing de comédia romântica.
Se estamos todos tão cansados de um mundo de performances, por que seguimos achando que não ser um “love entertainer” nos desqualifica no jogo do amor?
Quero aqui desconstruir três dogmas antes da lista dos três bairros mais paquerativos da cidade. Porque, se não desmontarmos fantasias e fantasmas sobre o amor, não importa onde estejamos: sempre nos sentiremos inadequados, pouco atraentes, inseguros e com cada vez menos vontade de sair.
O primeiro é a crença de que o mundo pertence aos extrovertidos. Susan Cain, em “O poder dos quietos”, argumenta que a sociedade supervaloriza a extroversão, associando-a a sucesso e carisma enquanto subestima qualidades dos introvertidos como escuta ativa, empatia e sensibilidade. Características valiosas, especialmente no amor. Isso desde que elas sejam colocadas pra jogo… o que raramente acontece.
Percebo que muitos tímidos ancoram suas inseguranças em frases como: “Todo mundo se interessa pelos carismáticos. Eu sou o tipo que passa despercebido.” Será mesmo? O que vejo é menos a verdade do desinteresse alheio e mais a astúcia inconsciente em criar profecias autorrealizáveis: sentindo-se menos interessantes, evitam sustentar o olhar no flerte, puxar conversa na roda de amigos dos amigos e respondem de forma monossilábica, para evitar que o outro “perca tempo” com um relato que provavelmente “nem vai interessar”… Mostram-se pouco, conectam-se pouco e voltam para casa com muita certeza de que não são desejáveis.
Essa insegurança encontra respaldo em um fenômeno chamado “lacuna de empatia“. Kasley Killam exemplificou-o a partir de um estudo em que pares de desconhecidos conversavam e depois avaliavam o quanto haviam gostado do outro, e como achavam que tinha sido percebido. A maioria subestimou o quanto havia agradado —revelando como projetamos nossas inseguranças no olhar alheio.
Saber que todos carregamos um senso de inadequação nos encontros ajuda a entender que algumas pessoas apenas escondem melhor o nervosismo. Sua atratividade está menos ligada à sua habilidade de parecer interessante, e mais à sua abertura à troca, ao presente, à escuta. Ou seja, ser interessado é mais sexy que ser interessante.
Essa mudança de perspectiva desmonta o segundo dogma: o de que para encontrar alguém você precisa estar em lugares que exalem libido e clima de paquera. Foi-se o tempo em que o bar e a pista eram os únicos palcos do amor. Hoje, o parque, o clube do livro e a viagem de trilha são os novos Tinders. Uma pesquisa do Inner Circle revelou que 92,5% dos brasileiros buscam conexões com interesses semelhantes. Em 2023, o Strava, aplicativo de corrida, introduziu mensagens diretas para facilitar o amor entre amantes do esporte. A empresa afirma que um em cada cinco membros já teve um encontro por lá.
Winnicott chamaria estes contextos de um espaço potencial compartilhado. Esse terreno mágico onde realidade e fantasia se entrelaçam, onde a brincadeira ganha vida e a criação acontece. No amor, esse espaço se traduz naquele cenário onde falamos de coisas que nos movem, que tocam nossa alma, sem precisar desnudarmos nosso íntimo logo de cara.
Winnicott chamaria esses contextos de um espaço potencial compartilhado. Um terreno onde realidade e fantasia se entrelaçam, onde a brincadeira ganha vida. Nesses lugares, a paixão vira conexão. Não a paixão idealizada do “eu, você um amor e mais nada”, mas a que se expande para o “nós”. Em vez de falar da gente, falamos dos livros, dos quilômetros, dos filmes… mas é nesse falar “de fora” que, paradoxalmente, falamos “de dentro”. É um jeito mais sutil, e muitas vezes mais profundo, de construir intimidade.
Aqui entra o terceiro dogma a ser abandonado: o de que, se você quer um relacionamento, precisa sair 100% focada em encontrar o “+1”. Não digo pra ficar em casa esperando o amor da vida junto com o jantar por delivery, mas é preciso tirar o peso da lógica utilitarista, ansiosa e pautada em produtividade.
Ninguém quer perder tempo. Ninguém quer errar —seja na escolha do bar paquerativo, do grupo de corrida com maior densidade de solteiros ou do clube do livro que sai da estatística da audiência 99% feminina… Mas é tanta pressa pra acertar que esquecemos de ser errantes. De topar o aniversário da amiga da amiga, o happy hour do colega da yoga, o almoço da prima que você quase nunca vê. Expandir os contextos é também expandir as chances. Às vezes, o amor é o amigo do amigo do amigo —mas, pra isso, você precisa dizer mais “sim” pros programas que não têm cara de paquera, mas têm cheiro de vida.
Posso até concordar com o conselho da sua mãe: “saia mais”. Mas não pra caçar homens, e sim pra expandir amores. Pra sair da rotina atropelada de casa-trabalho-casa e conversar com gente nova sobre temas que você adora. Ampliar a vida —e não apenas a lista de contatinhos— pode ser o gesto mais amoroso que se pode fazer por si mesma.
E se você também tem um dilema ou uma dúvida sobre suas relações afetivas, me escreva no colunaamorcronico@amorespossiveis.love. Toda quarta-feira respondo a uma pergunta aqui.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.