A Alemanha e a França são, respectivamente, a maior e a segunda economias da União Europeia (UE), e vivem grandes crises políticas associadas a dificuldades econômicas que arriscam gerar problemas no bloco inteiro.
Na França, o primeiro-ministro do país, Michel Barnier, que está há apenas três meses no cargo, teve uma moção de desconfiança para destituí-lo aprovada na Assembleia Nacional, a câmara baixa do Parlamento francês, na última quarta-feira (4).
Analistas políticos ponderam que várias áreas da UE podem ser impactadas pelos percalços alemães e franceses. O primeiro é o apoio do bloco à Ucrânia na guerra contra a Rússia.
Como maiores economias e países que mais investem em defesa na UE, a Alemanha e a França costumam pautar a agenda externa do bloco, que já se comprometeu a seguir apoiando Kiev mesmo ante a perspectiva de os Estados Unidos reduzirem ou até cortarem a ajuda com a volta de Donald Trump ao poder.
Entretanto, com alemães e franceses voltados para problemas internos, o receio é de que a guerra no leste europeu simplesmente saia do foco.
“Neste momento-chave na geopolítica, a liderança na UE está terrivelmente ausente. O bloco está começando a se sentir sem rumo, com a ascensão de líderes mais autocráticos e simpatizantes da Rússia na Hungria, Eslováquia e Romênia – e o foco francês e alemão enfraquecido e distraído”, alertou Katya Adler, editora de Europa da BBC News, em artigo publicado na semana passada.
Adler também destacou que, por si sós, as economias das duas potências são tão importantes para o bloco que qualquer sobressalto pode arrastar consigo a vizinhança.
Um relatório de novembro da Comissão Europeia apontou que a previsão é que o Produto Interno Bruto (PIB) da Alemanha sofrerá contração de 0,1% em 2024, o que representaria o segundo ano consecutivo de retração econômica, já que no ano passado houve uma recessão de 0,3%. Para 2025, a projeção é de um aumento tímido, de 0,7%.
“A outrora próspera indústria de exportação alemã foi tão prejudicada (mesmo antes das tarifas de importação ameaçadas por Trump a partir de janeiro de 2025) que corre o risco de levar consigo os vizinhos da Europa central e oriental, há muito usados pela Alemanha como chão de fábrica, para sua órbita economicamente deprimida”, afirmou Adler, em referência também aos planos do presidente eleito americano de impor tarifas de 10% sobre importações da Europa.
Na França, embora a situação da economia como um todo esteja melhor que na Alemanha, a grande preocupação é a respeito do mercado de energia europeu, já que o país é o maior exportador de eletricidade do continente, respondendo por cerca de 60% das exportações líquidas do setor em 2024, segundo dados publicados pela agência Reuters.
A questão é que a concessionária EDF, cuja gestão foi completamente assumida pelo Estado em 2022 e que administra usinas nucleares que fornecem cerca de 70% da eletricidade da França e também exportam para outros países, é um dos focos da crise política no país.
Dívidas da empresa estão impactando as já combalidas contas do governo, que Barnier tentou equilibrar, mas teve como resposta uma forte reação de oposicionistas ao presidente Emmanuel Macron. O déficit da França hoje equivale a 6,2% do PIB do país, o que representa o pior desequilíbrio orçamentário da zona do euro, de acordo com a Euro News.
Com a esquerda e a direita nacionalista ameaçando depor qualquer premiê que Macron indicar, e sem a possibilidade de convocar novas eleições legislativas até o meio do ano que vem, o risco é que medidas duras para resolver os problemas da EDF (Barnier propôs aumentar impostos sobre energia e voltou atrás após pressão do partido Reagrupamento Nacional, de Marine Le Pen, mas mesmo assim foi sacado) deixem de ser tomadas por pressão política.
“Quaisquer cortes forçados na geração de energia da França vinculados a disputas orçamentárias podem rapidamente restringir as exportações de eletricidade”, alertou Gavin Maguire, colunista de transição energética global da Thomson Reuters, em artigo recém-publicado.
“E nenhuma outra nação é capaz de substituir o fornecimento de eletricidade da França a um custo tão baixo”, apontou.
Macron prometeu indicar um novo premiê nesta semana e busca um nome com maiores chances de sobrevivência na Assembleia Nacional, e na Alemanha, a esperança é que uma coalizão “viável” saia das urnas em fevereiro. Porém, por ora, toda a UE prende a respiração.