Num intervalo de onze meses, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou duas vezes a orientação, direcionada a alunos autistas, de que as escolas adotem o PEI (Plano Educacional Individualizado) como uma ferramenta de inclusão no dia-a-dia da sala de aula.
Nesta terça-feira (5), o pleno do conselho aprovou uma segunda versão do parecer 50, com orientações escolares específicas para alunos autistas. Uma primeira versão tinha sido aprovada em dezembro passado, mas não foi homologada pelo ministro Camilo Santana (Educação) por divergências internas do Ministério da Educação (MEC) e alguns especialistas sobre parte do parecer — sobretudo sobre a adoção ou não do PEI numa normativa federal.
O PEI funciona como uma adaptação curricular focada no dia-a-dia da sala de aula para alunos que dela precisam (com ou sem laudo, autistas ou não). Idealmente deveria ser construído em conjunto pela escola, pela equipe multidisciplinar que atende o aluno fora da escola e pela família. Esse instrumento já é uma realidade determinada por parte dos Estados e dos municípios (sob alcunhas diversas), e usado por escolas particulares. Ele também é usado há décadas nos Estados Unidos.
Uma grande resistência para a aprovação do parecer 50 era a formalização do PEI, já que uma corrente de especialistas — incluindo do próprio MEC — defende que outro plano já bem estabelecido, o PAEE (Plano de Atendimento Educacional Especializado), cumpriria a função do PEI.
O PAEE, no entanto, está na alçada do AEE (quando existente na escola), foca em adaptações escolares mais gerais e é aplicado preferencialmente no contraturno.
“Quem vive nas nuvens da escola não desce para o chão dela, não vê a realidade nem tenta compatibilizar e avançar com as políticas públicas. Esse céu está muito longe da realidade”, avalia Flávia Marçal, advogada e uma das autoras da proposta original.
O parecer aprovado pelo CNE agora coloca ambos os planos como instrumentos “de natureza pedagógica, que compõem o projeto político-pedagógico da unidade escolar”.
“O PEI foi nomeado e, mais que isso, o professor regente foi responsabilizado, principalmente em relação à acessibilidade curricular do aluno: garantir ‘medidas individualizadas de acesso ao currículo para os estudantes autistas'”, avalia Adriana Borges, professora de políticas públicas de educação especial e inclusão escolar da Faculdade de Educação da UFMG.
Ainda que o parecer original tenha sido modificado, perdendo oportunidades importantes propostas pelo grupo de trabalho de especialistas — como referências a práticas baseadas em evidência e um detalhamento sobre o PEI –, a aprovação do PEI foi uma vitória para especialistas, entidades, familiares e apoiadores envolvidos na proposta do parecer, que veem na individualização do apoio a forma efetiva de inclusão escolar.
“Quando o CNE, mais uma vez, reconhece a necessidade do PEI como um pilar fundamental da educação inclusiva, e essa aprovação se dá por um consenso com o MEC, é uma mudança muito fundamental na postura sobre a educação inclusiva no Brasil, em que se passa a olhar para a individualidade do sujeito”, diz Lucelmo Lacerda, doutor em Educação e um dos autores do parecer original.
Passado o prazo para recursos, o parecer voltará à mesa do ministro Camilo Santana.
O MEC foi procurado, mas ainda não se manifestou.
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