A cantora baiana Claudia Leitte passou a ser investigada esta semana pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) após falar de sua fé cristã por meio da alteração da letra de uma música de axé.
Durante show no último sábado (14), em Salvador, Claudia Leitte repetiu a troca que tem feito no trecho da música “Caranguejo”, que cita “saudando a rainha Iemanjá”, por “eu canto meu Rei Yeshua” (Jesus, em hebraico).
O vídeo do show foi amplamente divulgado, e a cantora passou a ser acusada de intolerância religiosa por usuários das redes sociais.
O caso foi levado pela Iyalorixá Jaciara Ribeiro e o Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro) ao MP-BA que, por meio da Promotoria de Justiça de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa, decidiu instaurar o inquérito para investigar suposto “ato de racismo religioso consistente na violação de bem cultural e de direitos das comunidades religiosas de matriz africana”, com possibilidade de responsabilização criminal.
Atitude de Claudia Leitte não pode ser classificada como “racismo religioso”
Danielle Maria, advogada e membro do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), afirma que a mera mudança de palavras na música, como foi feita por Claudia Leitte, não pode ser considerada uma atitude racista.
“O conceito de racismo religioso, que tem sido muito desenvolvido no Brasil, principalmente quando se trata de questões relacionadas às religiões de matriz africana, diz respeito a situações de preconceito relacionadas à estigmatização racial. Seria uma agressão física ou verbal, uma intimidação, um ataque direto, um xingamento, o que não aconteceu”, explica.
“Não houve ali nenhuma falta de respeito. Não houve segregação cultural, não houve discurso de ódio. O que houve foi a intérprete, no momento do seu espetáculo público, alterar uma palavra que direcionava a canção a uma entidade religiosa que ela não professa. Não existe racismo religioso, é uma questão de foro íntimo, amparada pela Constituição Federal. A gente vive num país onde há liberdade religiosa, e esse é um direito fundamental. Ela apenas exerceu a sua liberdade de crença.”
De acordo com a advogada, na esfera civil, os autores da música poderiam pedir alguma indenização por dano moral caso se sentissem lesados pela mudança nas palavras, ou se a cantora houvesse quebrado um contrato que proibisse esse tipo de inovação. No caso, porém, caberia apenas a eles a legitimidade para mover a ação, e não a atuação do Ministério Público.
Igor Costa, advogado e mestre em Direito Constitucional, explica que membros do MP-BA podem até ser investigados, de acordo com o artigo 27 da Lei nº 13.869/2019, a Lei de Abuso de Autoridade, caso fizerem alguma ação que viole a liberdade religiosa da cantora. “Vi o vídeo e, claramente, a cantora não teve a intenção de ofender ninguém”, afirma. O advogado reforça que o direito de seguir convicções religiosas e a liberdade de consciência estão amparados pela Constituição Federal, como ocorre em todos os países democráticos.