A cidade em Marte que a bióloga americana Kelly Weinersmith imaginava é bastante diferente dos modelos que ela estudou quando, junto com o cartunista Zach Weinersmith, escreveu o livro “Uma Cidade em Marte: Podemos Colonizar o Espaço, Devemos Colonizar o Espaço e realmente pensamos nisso?” (ainda sem tradução para português).
“Eu tinha imaginado [uma cidade em Marte em que] você acorda e tem uma incrível cúpula geodésica de vidro e se vê o nascer do Sol no horizonte”, conta Weinersmith, que é professora associada do Departamento de Biociências da Universidade Rice, nos Estados Unidos.
Na vida real, se humanos realmente colonizarem o planeta vermelho, provavelmente veremos só luzes artificiais quando acordarmos em cidades subterrâneas. Weinersmith aponta que essa opção de assentamento é a mais factível por causa da proteção que o regolito marciano pode proporcionar. O regolito é a camada externa que encobre Marte e, ao construir uma cidade subterrânea, esse material pode proteger os humanos da radiação.
Esse é um dos principais problemas que humanos poderão enfrentar fora da terra. Justin Hollander, autor de “A Primeira Cidade em Marte: Um Guia do Planejador Urbano para Colonizar o Planeta Vermelho” (ainda sem tradução para português), diz que a radiação excessiva em Marte pode levar a graves problemas de saúde. Buscar maneiras de evitar a exposição a essa radiação, como no caso de assentamentos subterrâneos, é essencial para colonizar o planeta vermelho.
Mas esse é só um dos desafios que Marte representa para os humanos. A gravidade é cerca de 40% da encontrada na Terra, dificultando a vida humana. O ar é venenoso para nossos pulmões. Não existem evidências da presença de água líquida e potável. A grande distância do planeta em relação ao Sol também é um impeditivo: a possibilidade de gerar energia solar é muito menor, e os invernos em determinadas regiões marcianas são muito rigorosos.
Todos esses problemas –e alguns outros ainda desconhecidos pela ciência– precisam ser considerados para planejar cidades e assentamentos marcianos. Além da opção subterrânea, Hollander, que também é professor de política e planejamento urbano e ambiental na Universidade Tufts, nos EUA, afirma acreditar que a construção de um domo pode ser uma realidade da vida humana fora da Terra.
No seu livro, o professor reconhece os benefícios dos assentamentos subterrâneos para a proteção contra o ambiente hostil de Marte, mas também hipotetiza que a construção de domos seja factível no futuro. “Talvez eles tenham algumas transparências para que seja possível receber a luz do Sol, como uma maneira de atenuar a vida no subsolo”, afirma Hollander.
O difícil é identificar um material que seja transparente e, ao mesmo tempo, que proporcione segurança aos humanos. Weinersmith é um tanto cética sobre isso. Ela diz que, por enquanto, não se conhece um material com essas características e afirma acreditar haver questões mais importantes para serem investigadas sobre a colonização do planeta vermelho.
Uma delas é entender como os organismos humanos se adaptariam ao local. “Sabemos pouco sobre como os corpos humanos respondem ao espaço fora da órbita terrestre“, afirma Weinersmith.
Esse é o caso da reprodução humana fora da Terra. Ainda não se sabe se humanos seriam capazes de reproduzir a espécie de modo saudável no espaço. Para obter respostas, a Lua pode ser uma solução. O satélite tem uma radiação tão agressiva ao corpo humano quanto a vista em Marte. A gravidade na Lua chega até a ser mais desafiadora para humanos do que a observada no planeta vermelho.
“Se a reprodução funcionar bem na Lua, então você pode ter certeza de que estará tudo bem quando chegar a Marte”, diz.
Alimentação, energia e outros recursos naturais também precisam ser melhor planejados porque, em Marte, precisará existir um sistema bem elaborado de reaproveitamento. A própria cidade subterrânea também é algo a ser melhor pensado. Um protótipo desse tipo de assentamento poderia ser desenvolvido na própria Terra antes de enviar humanos definitivamente para Marte.
Hollander concorda que o planejamento prévio é essencial. “Você não pode simplesmente deixar algumas pessoas em Marte. Você precisa ser capaz de pensar com antecedência sobre quais serão as necessidades básicas delas para atendê-las”, afirma.
E esse tipo de planejamento precisa melhorar. Weinersmith afirma que a Nasa se recusa a financiar pesquisas sobre reprodução humana no espaço. A pesquisadora também desconhece um projeto extenso e consolidado para criar um protótipo do que seria a cidade subterrânea marciana. Existem iniciativas isoladas, mas não um protótipo que simula todo o ecossistema necessário para a vida humana em Marte.