Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) indicou suspeita de sobrepreço e de falta de transparência na escolha de uma ONG beneficiada com R$ 3 milhões em emendas enviadas para três municípios do Amapá pelos senadores Randolfe Rodrigues (PT), que é líder do governo no Congresso, e Davi Alcolumbre (União), presidente da CCJ do Senado.
Os recursos foram inicialmente repassados às prefeituras e ao governo do estado, que direcionaram os repasses para o Instituto de Gestão em Desenvolvimento Social e Urbano (Inorte).
O Inorte foi contratado para a realização de grandes eventos nas três cidades, mas, segundo a CGU, não tinha capacidade técnica para executar os serviços contratados.
A auditoria
Recentemente, a CGU havia conseguido autorização do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, para estender o prazo de entrega das auditorias. Dino pediu auditoria sobre todas as emendas parlamentares que foram destinadas a ONGs e demais entidades do terceiro setor entre 2020 e 2024.
De acordo com o relatório da CGU, os valores praticados pela Inorte nos serviços prestados às prefeituras de Mazagão (AP) e Oiapoque (AP), relacionados à produção intelectual, apresentam um sobrepreço de quase 194%.
Os dois municípios foram beneficiados com cerca de R$ 850 mil em emendas destinadas pelo senador Randolfe Rodrigues.
O valor foi repassado este ano ao governo do Amapá para a realização do 79º aniversário da cidade de Oiapoque e a Festa de São Tiago, no município de Mazagão.
De acordo com a auditoria da CGU, a escolha da ONG foi feita sem chamamento público e concorrência. Para a CGU, o processo foi irregular, já que outras instituições poderiam executar o mesmo serviço.
No caso do município de Santana (AP), o Inorte foi beneficiado com emendas de Davi Alcolumbre. Ao todo, foram cerca de R$ 2,2 milhões. Parte do montante, R$ 1 milhão, foi destinado por Alcolumbre para a realização do festival de verão na cidade.
O restante, R$ 1,2 milhão, foi repassado por Alcolumbre para realização do evento “Viva Santana 2023”. O evento ocorreu entre novembro e dezembro do ano passado, com apresentação gospel, coral, evento gastronômico e feira tecnológica.
Terceirização
Além dos problemas no processo de contratação da ONG, a CGU disse que o Inorte terceirizou todas as suas entregas no evento do município de Oiapoque e que uma das empresas subcontratadas é do diretor financeiro da instituição.
Ainda, segundo apuração da CGU, o escritório que prestou serviços de advocacia ao Inorte foi aberto com o número de telefone do próprio instituto e pertence a uma advogada que já prestava serviços ao Inorte.
Para a Controladoria, as descobertas representam “grande risco de lesão ao erário e alta criticidade, em face das empresas contratadas ligarem-se diretamente a pessoas com vínculos profissionais com o Inorte”.
O Inorte
O Inorte foi criado em 2005 como uma associação de empreendedores evangélicos que prestava serviços de assistência a crianças e adolescentes.
Em 2021, o instituto passou por uma reformulação, mudou de donos, endereço e funções.
Atualmente, seu CNPJ agrega 20 atividades econômicas no cadastro na Receita Federal.
Estão listadas atividades como comércio varejista de livros, produção de filmes para publicidade, produção cinematográfica e aluguel de equipamentos recreativos e esportivos, palcos e coberturas.
O que diz o instituto
A Gazeta do Povo entrou em contato com o Inorte para comentar sobre o relatório da CGU, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. O jornal permanece aberto para quaisquer esclarecimentos do instituto sobre o caso.
À Folha de São Paulo, o Inorte alegou que a região amazônica apresenta desafios logísticos e operacionais que impactam diretamente nos custos das contratações.
Segundo o instituto, todas as metas estabelecidas foram comprovadas e a contratação de diretores ou pessoas ligadas ao quadro superior da organização “se torna necessária para suprir a demanda operacional, sem a necessidade de ampliar o quadro com novos colaboradores externos”.
O que dizem as prefeituras e o governo do Amapá
A Gazeta do Povo entrou em contato com as prefeituras dos municípios de Santana, Oiapoque e Mazagão e com o gabinete do governador do Amapá, Clécio Luís Vilhena Vieira (Solidariedade), mas não obteve resposta. O jornal permanece aberto para quaisquer manifestações dos citados sobre o caso.
À Folha, a prefeitura de Santana disse que todas as entidades foram selecionadas por chamada pública amplamente divulgada e que os recursos são aplicados de acordo com o planejamento elaborado pela gestão.
O que dizem os senadores
Procurados pela Gazeta do Povo, nesta quarta-feira (18), os senadores Davi Alcolumbre e Randolfe Rodrigues não responderam aos questionamentos. O jornal permanece aberto para quaisquer manifestações dos parlamentares sobre o caso.
À Folha, Alcolumbre disse que “nunca destinou emenda de transferência especial para institutos ou ONGs” e sim para o governo do Amapá ou para prefeituras, conforme previsto na legislação.
O senador ainda ressaltou que os municípios e o governo beneficiados pelas emendas são os responsáveis pela prestação de contas.
Já o senador Randolfe Rodrigues disse à Folha de São Paulo que não tem relação com o Inorte e que os eventos mencionados são públicos.
Randolfe também disse que a CGU indicou irregularidades ligadas à gestão do estado, dos municípios e da ONG e não ao seu gabinete.