A distância que separa os manguezais do Vietnã e a costa do Pará foram reduzidas pelo olhar e pelas “fotos” de Cesar Diniz, 39. Do mapeamento das áreas alagadiças, o cientista virou o olhar —proveniente de câmeras do espaço— para a destruição da amazônia, por desmatamento e mineração. A olhada seguinte, por acidente e por relação com os garimpos, mirou a modelagem epidemiológica da malária.
Diniz é o último personagem da série Folha Descobertas, iniciativa da Folha em parceria com o Hospital Albert Einstein que apresentou os perfis de dez jovens pesquisadores brasileiros de diferentes áreas de atuação e regiões do país.
A história de Diniz começa na oceanografia, um campo em que, segundo ele, guardadas as devidas proporções, é comum achar pessoas interessadas em surf, baleias e mergulho.
“Esse não é o meu caso. Sempre fui meio que apaixonado pela tecnologia, pelas imagens, pela fotografia, apesar de não ser fotógrafo”, diz o pesquisador. “Eu escolhi a oceanografia porque me permitia não ter certeza do que eu queria fazer”, afirma, referindo-se à possibilidade de, a partir dessa graduação, ter contatos com diversas áreas do conhecimento sobre o planeta.
Mas foi por causa da paixão pela criação de imagens que acabou mergulhando em um pequeno pedaço da oceanografia: o sensoriamento remoto. Trata-se, basicamente, do uso de imagens de satélite para responder a perguntas sobre a superfície da Terra. De modo mais simples ainda, fotografias tiradas do espaço.
Ainda durante uma iniciação científica na faculdade, os primeiros passos nesse mundo foram descobrindo onde existiam manguezais na costa do Pará e no Vietnã.
“A maioria dos sensores que estão lá em cima nos satélites e que usamos é igualzinha a uma fotografia de uma máquina fotográfica, guardadas as proporções devidas. Mas a forma de se relacionar com o sensoriamento remoto, quase sempre, é tão simples quanto a forma de se relacionar com a fotografia”, diz Diniz. “Você tem que, com o tempo, entender os componentes que compõem a sua cena, seja a foto tirada pela sua câmera ou por um satélite.”
É a partir do sensoriamento que sabemos, por exemplo, que o desmatamento na amazônia tem se retraído sob o governo Lula (PT). Graças a essa tecnologia conseguimos medir as áreas de mata perdidas e apontar os possíveis fatores que levaram a essa perda, como pecuária, construção de estradas em meio à floresta e garimpo.
Diniz compara o uso do sensoriamento remoto com fotos tiradas da floresta de um helicóptero. Ao tirar duas fotos do mesmo lugar, é possível comparar a visão das copas das árvores. Se na primeira fotografia, elas estão visíveis e na segunda, tirada exatamente no mesmo lugar, elas desapareceram, sabe-se que pessoas desmataram aquele local.
“Quando [temos formatos de retirada] quadrados e retangulares, quase sempre a gente está falando de pastagem e agricultura. Coisas mais retilíneas, ou levemente curvilíneas, que conectam o ponto A com o ponto B, eu estou falando de estradas”, explica Diniz. “Onde você tinha copa de árvore e deixou de ter, em um talhão muito grande, que tem forma geométrica e está conectado por estradas, obviamente, um ser humano está fazendo um tipo de serviço ali. É simples dessa forma.”
É claro que, como qualquer forma de medição, há uma margem de erro envolvida. “Mas jamais alguém vai dizer que ‘isso aqui é perda de área florestal’ e, na verdade, não é. Esse erro não existe, nunca existiu. Esse erro é político”, afirma Diniz, referindo-se a quem que questionava ou ainda questiona dados de desmatamento produzidos no país.
E foi com perdas florestais que Diniz acabou indo trabalhar, após o mestrado, na unidade do Inpe de Belém do Pará, hoje chamada de Coordenação Espacial da Amazônia. Após sete anos, nos quais o pesquisador aprendeu a olhar para toda a amazônia, ele sente que é hora de se aventurar em um doutorado.
MapBiomas e o empreendedorismo
É no doutorado que Diniz toma contato e é levado para dentro de um novo projeto chamado MapBiomas. Trata-se de “fazer tudo que você foi treinado para fazer, mas agora de maneira absolutamente automática, usando computação, programação e matemática“, resume o cientista.
No grande projeto que é o MapBiomas, ele se torna —e continua sendo— responsável pelo sensoriamento remoto de toda a zona costeira do Brasil, de garimpos e de mineração industrial.
E como se detecta um garimpo por meio de imagens de satélite?
“Quando tiro a foto de uma cena em um filme, não tiro a foto apenas do personagem, eu tiro a foto do cenário. Se eu tenho uma pessoa trajada com roupas de 1960, a cidade que ele está remonta 1960, o entorno da cena toda é antigo. O contexto inteiro importa”, compara Diniz.
Trazendo para o universo do garimpo, o cientista diz não olhar para um pixel —o elemento mínimo de uma imagem— e apontar que naquele local há um garimpo. Isso porque o pixel só permite dizer que, antes ali, havia uma porção de floresta que não existe mais.
“Então, a gente trabalha com uma área do sensoriamento remoto, que é a detecção de padrão por contexto”, diz Diniz. “Garimpo quase sempre é: área desmatada, que está próximo a uma região de rios, e na Amazônia, que craveja uma série de crateras de extração de sedimento, que vão ser preenchidas por água no futuro. Esse padrão, muitos buracos que eventualmente se tornam preenchidos por água e estão próximos de rios, é o cenário do meu filme. Quando acho o cenário, acho o garimpo.”
Em meio ao seu trabalho no MapBiomas, o cientista percebeu que não deveria estar ali como um cientista isolado, mas, sim, como uma empresa. Daí partiu um convite para os colegas de profissão que fez durante seu período no Inpe.
Com isso, o doutorado de Diniz, além de uma classe de mapeamento do MapBiomas, acabou virando uma empresa de sensoriamento remoto na amazônia, a Solved – Soluções em Geoinformação.
“Quase sempre boas ideias morrem na academia porque é muito difícil você sair do meio acadêmico e criar uma empresa. Mas, para mim, foi o contrário”, afirma o pesquisador.
Sensoriamento e malária
O trabalho com o mapeamento de garimpos acabou levando Diniz a uma palestra em Harvard, contudo na área destinada à saúde pública da universidade. E, um dos projetos em desenvolvimento por ali, é a modelagem epidemiológica de malária. Daí veio um convite para um novo projeto.
“Eu não tinha a menor ideia do que era isso”, afirma, referindo-se à modelagem epidemiológica. Mas, curiosamente, saber onde há garimpos é um dos parâmetros dessa modelagem.
“Se tem um garimpo, então o aumento dos casos de malária vem a seguir, porque uma coisa está conectada à outra. O garimpo destrói a floresta, a floresta é o local dos mosquitos, os mosquitos começam a busca de outros meios de moradia e a interação mosquito-homem aumenta os casos de malária”, diz o cientista.
Enquanto estava em Harvard, até recentemente, a busca de Diniz era pela construção de um sistema de alertas de surgimento de garimpos em um curtíssimo espaço de tempo. Foi criado, então, o SAG (Sistema de Alerta Garimpeiro), que aponta, na amazônia, baseado em informações da semana anterior, onde provavelmente há um novo garimpo. Esse tipo de sistema pode ser útil para orientar políticas públicas de saúde, segundo o pesquisador.
A história de Diniz pode ser resumida em contar histórias do passado e do presente usando imagens. Mas é também construir um olhar para a frente.
A série apresentou, quinzenalmente, os perfis de dez jovens pesquisadores brasileiros de diferentes áreas de atuação e regiões do país. Para chegar aos nomes deles, a seleção partiu de indicações de um comitê formado por figuras de destaque do cenário científico nacional.
A série Folha Descobertas é uma parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein