O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) aceitou um mandado de segurança contra a proibição de cultos de matriz africana em cemitérios privados da capital paulista programados em razão do feriado de Finados.
O mandado de segurança foi solicitado pelo terreiro Aruanda. De acordo com membros do grupo religioso, eles foram impedidos de realizar cerimônias no cemitério municipal São Pedro, na Vila Alpina, zona leste da capital paulista.
O culto é realizado no local desde 2017. A comunidade afirma que desde julho solicita permissão para o ritual, mas recebe negativas sem que sejam apresentadas justificativas legais.
A concessionária Velar SP afirma que já recebeu dezenas de solicitações para cultos de entidades religiosas de matriz africana que foram devidamente acolhidas e que as comunidades realizaram seus rituais nos cemitérios administrados pela concessionária.
“Todos esses pedidos e autorizações estão devidamente documentados. No caso citado, a concessionária cumprirá a decisão judicial, sem prejuízo de futura manifestação junto à Justiça. Cabe à Velar reforçar ainda o profundo respeito a todas as religiões e suas manifestações”, disse a empresa, em nota enviada à reportagem.
A Folha obteve acesso ao áudio de uma ligação telefônica, realizada em outubro, entre uma representante do terreiro e um assessor do cemitério.
No áudio, que foi anexado ao processo, o assessor afirma que a autorização não é possível porque em celebração passada o cemitério ficou cheio de lixo, disse que são permitidas manifestações com apenas 20 pessoas por questões de organização e segurança e que, apesar de ter recebido a solicitação com antecedência, também levam em conta quantos outros pedidos são recebidos.
O terreiro Aruanda tinha solicitado autorização para um culto com 300 pessoas —outros 12 terreiros participam da mesma celebração de Finados.
Na decisão, o juiz Luís Manuel Fonseca Pires determina que a concessionária de serviço público Prever Administração Cemiterial e Serviços Funerários, responsável pela marca Velar SP, administradora do cemitério São Pedro, suspenda a proibição da prática religiosa “em locais públicos em qualquer dia e hora, incluindo o livre acesso ao cemitério São Pedro, no dia 1º de novembro de 2024”.
O juiz afirmou ainda que na religião umbanda cemitérios são considerados um território sagrado de culto à ancestralidade.
“Verifica-se que não há razão jurídica para o impedimento do exercício livre do direito de realização de cultos e de liturgias pela comunidade religiosa do terreiro de umbanda no local público escolhido, sobretudo porque sequer houve uma negativa formal”, escreveu o magistrado.
Outras duas comunidades afirmam que também tiveram pedidos negados: Ogún Onire e terreiro Sete Lanças.
“É lamentável que, em pleno século 21, ainda precisemos recorrer à Justiça para reafirmar nosso direito de existência e expressão, um direito garantido constitucionalmente, mas que muitas vezes é tratado com descaso ou ignorância”, disse David Dias Delgado, conhecido como pai David, do Aruanda.
Ele afirma que o povo de terreiro é o grupo mais vulnerável ao racismo religioso, sendo constantemente alvo de preconceito e desinformação.
“Esta ação é um marco na luta por igualdade e dignidade para a nossa fé e nossa comunidade”, afirmou.
Pai David integra o movimento Terreiro Resiste, que reúne cerca de 20 comunidades. Todos os terreiros participantes relatam dificuldades para realizar eventos religiosos de matriz africana nos cemitérios privados de São Paulo.